Por: Carlos José F. Santos – Casé

(Prof. Dr. da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC)

 

“Tribunal Federal cassa liminar que autorizava o despejo dos índios da aleia Pyelito Kue e determina que eles permaneçam na área até que sejam concluídos os estudos etnológicos” (Carta Maior – Direitos Humanos).

Entretanto, como bem expressou o Líder Guarani Kaiowá – Ricardo Otoniel, após a decisão do Tribunal Federal: “estou feliz, mas feliz pela metade. Há várias outras aldeias vivendo este mesmo drama”.

Aliás, vale perguntar: porque estes estudos etnológicos já não foram feitos? Onde está a FUNAI? Não tem verba e nem corpo técnico qualificado para isto? Em outras palavras: o próprio governo não possibilita os estudos etnológicos para o futuro reconhecimento territorial e depois cobra a existência dos mesmos para realizar a demarcação territorial. Contradição ou má fé?

Pensamos até que nem de estudos etnológicos é preciso. Vale sempre lembrar que todo o território dito como nacional era indígena. Os índios tem o direito ao auto reconhecimento étnico e territorial. Quem deve dizer quem é índio e qual o seu território são os próprios indígenas.

Lembramos então do jurista João Mendes Júnior, que já no início do século passado (1912) ao discutir o Alvará Régio de 1680 e a lei de Terras de 1850, fez a seguinte reflexão, sistematizando conceitos de defesa aos índios em relação às suas terras. Ao mesmo tempo, lendo as palavras do jurista, ponderamos o quanto a ação do estado brasileiro serviu historicamente para legitimar algo que caricia de legitimação: a ocupação de terras indígenas por não índios.

Segundo João Mendes Júnior:

“[…] a ocupação, como título de aquisição, só pode ter objeto as coisas que nunca tiveram dono, ou que foram abandonadas por seu antigo dono.  A ocupação é uma apprehensio rei nullis ou rei derelictoe…; ora, as terras de índios congenitamente apropriadas, não podem ser consideradas nem como res nullis nem como res derelictoe; por outra, não se concebe que os índios tivessem adquirido, por simples ocupação aquilo que lhes é congênito e primário de sorte que, relativamente aos índios  estabelecidos, não há  uma simples posse, há um título imediato de domínio;  não  portanto, posse a legitimar, há domínio a reconhecer  e direito originário e preliminarmente reservado… o indigenato  não é um fato dependente  de legitimação, ao passo que a ocupação, como fato posterior, depende de requisitos que a legitimem” (MENDES JUNIOR, João (1912) In: RIOS, Aurelio Veiga. Terras indígenas no Brasil: definição, reconhecimento e novas formas de aquisição. Disponível Online).

Para que então depender do estado brasileiro, de seus órgãos e justiça no sentido do reconhecimento étnico e territorial? Como explica Mendes Junior: “há um título imediato de domínio (…) há domínio a reconhecer e direito originário e preliminarmente reservado”. Quem precisa de reconhecimento ou não são as ocupações realizadas pelos não índios.

Acreditamos que é necessário rever esta secular tutela do estado e de sua (in)justiça quando se trata de reconhecimento étnico e territorial. Uma tutela institucionalizada com a fundação do Serviço de Proteção aos Índios – SPI (1910), posterior FUNAI, e pela constituição brasileira de 1988 quando diz:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XIV – populações indígenas” (Constituição de 1988)

Qual o direito que o estado brasileiro tem de “legislar sobre” os povos indígenas? A resposta já foi dada por Mendes Junior, mas vale repeti-la: “não se concebe que os índios tivessem adquirido, por simples ocupação aquilo que lhes é congênito e primário de sorte que, relativamente aos índios  estabelecidos, não há  uma simples posse, há um título imediato de domínio”.

No entanto, respondemos também em forma de canção guerreira:

“Devolvam nossas terras,

nossas terras nos pertencem.

“Nelas mataram nossos parentes”

(Música Guerreira Tupinambá)

Neste sentido, são extremamente importantes as palavras de  Ricardo Otoniel, após a decisão do Tribunal Federal: “estou feliz, mas feliz pela metade”.

Este é o estado e (in)justiça brasileira: parcial e morosa quando trata-se de direitos indígenas e da população pobre. Assim, também questionamos a famosa frase: “A justiça tarda, mas não falha”? Ora, a justiça tardando já está falhando.

Como analisou o procurador de Defesa dos Direitos do Cidadão e presidente do Grupo de Trabalho Guarani-Kaiowá do CDDPH, Eugênio Aragão (aliado dos povos indígenas): “A ação unilateral do estado brasileiro tem sido genocida porque atrai ódio, raiva e rancor da população não indígena para com a indígena. O não indígena tem que sair deste negócio satisfeito. Só assim as populações indígenas não serão mais alvo de rancor”.

Nesta direção, concordamos parcialmente com a presidenta da Funai, a antropóloga Marta Azevedo: “A mobilização da sociedade civil é absolutamente fundamental, porque o problema dos guaranis não é só de governança. Eles sofrem muito com a violência e o preconceito crônico”. Azevedo só esqueceu de salientar que este é um problema que envolve a maioria dos povos indígenas deste país e da laitonamerica.

Por isto que a cada dia cresce entre os povos originários (brasileiros e da latinoamericanos) o sentimento de não mais se declararem brasileiros, argentinos, chilenos, mexicanos etc. Fortalece, isto sim, o sentimento de se declararem como povos originários que convivem com o autoritarismo de estados e (in)justiças de não índios.

Assim, vale a sabedoria indígena expressa pelo Cacique da Aldeia Pyelito Kue, Lide Solano Lopes, quando chama a atenção ao dizer que, apesar desta vitória parcial contra o estado e a (in)justiça brasileira: “Vamos lutar até o nosso último guerreiro. Não vamos nos matar ou matar uns aos outros. Mas estamos dispostos a morrer pela nossa terra”.

Apoiamos totalmente as palavras do Cacique Lide Solano Lopes e cantamos:

“Senhor presidente

Devolva nossas terras

Oh, devolva nossas terras

Porque estamos em pé de guerra”

(Música Guerreira Tupinambá)

 

AWERE!

MEUS PARENTES!

Firmes e fortes na luta …

 

OBS: maiores informações leiam matéria da Carta Capital – Direitos Humanos: “Guaranis-kaiowá comemoram suspensão do despejo, mas cobram demarcação definitiva”

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21176&alterarHomeAtual=