Na “história” do Brasil, temos quinhentos e poucos anos de “descobrimento”. Na História do Povo Indígena, temos a mesma quantidade de anos,mas diferente da história do “branco” esses anos nos vem acompanhado de muita dor e sofrimento.
Sou macuxi, e hoje moro na cidade, por isso o título um olhar diferente, que quer dizer um olhar de fora da aldeia, mas um olhar de índio, um olhar de quem um dia sonha ver seu povo tranqüilo e na paz.
Como já citei em uma matéria anterior (Eu invasor ? ou minha terra por direito), que até hoje nós povos indígenas enfrentamos a luta pela retomada de nossas Terras, onde muitas das vezes somos taxados de bárbaros, violentos, invasores de terra etc. Agora eu quero falar de uma outra luta que hoje a maioria dos povos indígenas vem enfrentando: aluta pela permanência da tradição cultural.
Há três anos eu vim para cidade para fazer minha graduação, e, escolhi entra no curso de história da Universidade federal de Roraima, pelo fato de ver o povo indígena ausente, nos livros que eram trabalhados nas salas de aulas, inclusive nas salas de aulas das comunidades indígenas. De acordo com essa história o branco sempre vivia em paz com os povos indígenas. E isso não e verdade (não generalizando, pois tem pessoas brancas que tem um coração limpo de maldades e são amigos) Desde que nossas terras foram invadidas, nós fomos proibidos de falar nossas próprias línguas, de dançar nossa parichara, de tomar o nosso caxiri, e de muitas outras coisas que é de nossa cultura.
Tudo o que aconteceu em nossas vidas e em nossas aldeias de mal é culpa do invasor. Hoje as comunidades não falam mais o Macuxi, o Taurepang, o Ingaricó, o Patamona, por que foram “PROIBIDOS” essa é a palavra. Conta um ancião macuxi que estudou em uma missão católica “ Nós éramos proibidos de falar nossa língua, tínhamos que falar a língua do branco. Se falássemos a nossa língua deixavam a gente de castigo. Nós éramos maltratados, eles colocavam a gente pra carregar madeira forçados, batiam nas crianças menores e muitas das vezes deixavam a gente sem comida”.
Nas comunidades o Fazendeiro, com uso de suas forças bélicas mandava em qualquer um e se desobedece “metiam a bala num índio”. Nas comunidades antes de o Fazendeiro chegar só se dançava o Tukui, o Parichara e o Areruia . Mas o “branco” não gostava das nossas danças e eles então mandavam parar e levavam um sanfoneiro e dizia que as índias tinham que dançar até quando eles quisessem se não “ia bala”. Com isso as comunidades forma deixando de dançar o que era tradicional e por força dançar outro tipo de dança.
Muitos parentes morreram pelo branco, eles tinham armas que matava mais que nossas flechas, aliás, nossas flechas eram pra matar as caças e não gente como eles faziam.
Outro que eu também queria falar era sobre o nosso gostoso caxiri. Bebida feita de mandioca, ou de outras raízes e frutas. Era bebida em dia de festa ou quando as comunidades se uniam para fazer um determinado trabalho(isso antes do invasor chegar). Mais uma vez tenho a tristeza de novo inserir o nome do “FAZENDEIRO”, eles forçavam os índios a trabalhar em suas fazendas, cuidando de seus animais ou fazendo outro serviço, e isso impedias de os parentes se organizassem para fazer seus trabalhos comunitários. Isso ia enfraquecendo o laço familiar na comunidade. O branco trouxe para suas fazendas a Cachaça , e dava para os índios que trabalhavam lá fazendo eles ficarem doentes. Doentes e viciados naquilo. Ai o branco também levava para as comunidades quando ele forçava nosso povo a fazer festa. Com o tempo muito de nossos parentes ficaram ligados àquele produto diabólico, a comunidade começou a se desestruturar. As mulheres não faziam mais o caxiri, o aluá, o mocororó, que eram do nosso povo mesmo. Fazer pra que? Os homens de nossas comunidades estavam bêbados da cachaça do branco. E assim por muito tempo nossos parentes ficaram dominados pelos “brancos”.
Esse tempo em que estive ausente de minha comunidade me fez ver como isso reflete até hoje em nossas comunidades. Tudo o que era nosso passou a ser visto como exótico, mesmo que isso representa ainda um valor muito alto para nós povos indígenas. A parti de 1970, quando começou o movimento indígena pela luta por Nossa Terra, também as lideranças tomaram várias atitudes contra o modo de vida do Branco. Começou a surgir a nossa primeira organização: o Conselho Indígena do Território de Roraima – CINTER. A parti desse momento foi tomadas várias outras atitudes como, por exemplo, o “ Vai o Racha” que foi um movimento contra a entrada de bebidas alcoólicas nas Comunidades, a “Barreira do Machado” que foi um outro movimento contra a entrada de materiais para garimpo na Comunidade do Machado, na Raposa Serra do Sol e tivemos muitas outras atitudes. Vale citar também que começava a ter as primeiras Assembléias de Tuxauas. Depois surgiu a organização dos Professores – OPIRR, na luta pela nossa educação como exemplo, “ que escola temos, que escola queremos” que foi para colocar nossos próprios professores nas escolas indígenas. Muitos outros movimentos sugiram com nossa organização.
O que se percebe hoje que assim como lutamos pela retomada de nossa Terra, também estamos lutando para manter nossas danças, nossas bebidas, nosso modo de vida, nossa língua. Que foi tudo tomado e acabado pelo “ Branco”. E fazer isso hoje é bem diferente do que fazer a retomada de nossa terra. Por que embora nossa Terra tivesse em mão do fazendeiro, mas estava aqui, não tinha como ele levar; Mas nossa língua? Essa sim foi embora com as pessoas mais velhas que sabiam falar, hoje há poucas pessoas que sabem falar por isso temos uma crise em colocar nossas línguas em nossas escolas,pela falta de professor. A nossa dança só faz coma ajuda de pessoas bem idosas, as nossas bebidas quase não é mais feitas.
Agora a nossa luta ainda é maior que antes: Resgatar nossa Língua, Nossas danças, Nosso modo de vida, nossas bebidas, enfim tudo o que era nosso.

Obs.: Essa matéria é feita baseada nas comunidades da Região do Surumu, na Raposa Serra do Sol. Mas que pode ser uma reflexão estendidas a outras Regiões da Raposa Serra do Sol e de outras Terras Indígenas de Roraima e do Brasil.

Todos nós Somos um Só: O POVO INDÍGENA