Em São Miguel tem só algumas casas

Em São Miguel tem só algumas casas, umas de taipa outras já com reboco. Lá tem um Terreiro dos antigos. Antes o Pajé era João Silivinha Fatum, depois dele morrer dois de seus filhos ficaram sustentando o trabalho.

Esta conversa é fruto de nosso encontro com os irmãos Luis e Apricho Vieira Fatum, com Luis Rosa e seu filho Manoel, com Cícero Marinheiro e sua filha Leidinha e com mais alguns índios que foram chegando.

Para nós é tudo fácil, estando tudo de acordo com Deus a gente trabalha nos nossos costumes e resolve de acordo com Deus.

Ser índio é seguir os velhos costumes, continuar trabalhando como há muito tempo. Trabalhar é o tropelo (cantar Toré), é a jurema, da qual é feita a bebida ajuka, usada para curar.

Trabalhar é seguir a tradição. No fim, com fé em Deus, vamos agindo como pode ser. Todos juntos com amor e união.

Quando alguém precisa de nós índios, nós tentamos ajudar.

Sempre tem que procurar estar todos em acordo. Em algumas tribos dizem que o Cacique tem que saber ler, mas importante é saber que o conhecimento não está nos livros, está na Natureza. O importante é que o Cacique seja apoiado pelo povo.

Se os políticos pudessem o índio não tinha contato com as leis, para não irem atrás de seus direitos.

Nós temos que nos preparar aqui no nosso ritual e também aprender lá fora para poder trazer os nossos direitos. Temos que resgatar nossos costumes para o governo não extinguir o índio.

Eu trabalhei muito, quando jovem, pensando em fazer uma casa boa, mas isso até agora não aconteceu, mas eu sou muito feliz e agradeço muito a Deus pelo o que Ele tem me dado. Antigamente as pessoas não sofriam para trabalhar, hoje, com a modernidade, sofrem para ter o sofá, a televisão e aquilo outro. Antes não tinha tanta preocupação e tanta maldade, as pessoas não se preocupavam por ter geladeira, só iam atrás de sua alimentação.

Uma pessoa pode passar alguma coisa para outra, mas aprender mesmo só na experiência direta com a Natureza. Antes tinha de tudo, a gente não tinha nada industrial, tudo era feito da obra da Natureza. Era uma rede de pesca de croá, arco e flecha para pegar um peixe, era tudo tirado da mata.

Hoje é tudo industrial e nada de futuro bom. Quanto mais moderno mais perigoso. Antes as armas não matavam como acontece hoje. Hoje tem energia elétrica, mas a mandioca e a batata são difíceis. Hoje estamos procurando o reconhecimento para poder nos defender melhor.

Nossos antepassados foram massacrados, restaram muito poucos e os que restaram estão resgatando o que foi perdido da cultura. Hoje estamos tendo mais força para fazer este resgate e também para passar nossa história para as gerações futuras.

O índio não pode confiar no branco porque o branco sempre bota ele para trás.

Aqui, como em muitas aldeias do Nordeste, perdemos um pouco do nosso ritual, porque aqui fomos muito perseguidos, todos sabem que por aqui começou a invasão. Algumas aldeias passaram um tempo jogadas de lado. São muitas aldeias que estão resgatando sua cultura, umas dando força a outras. Por exemplo, os Tuxá, de Rodelas, nos ajudaram muito a fazer nosso resgate.

Nós já fomos forçados a usar roupas pelos invasores, perdendo muito de nossos costumes. A modernidade foi evoluindo e ficamos com um costume que não era nosso. Hoje a gente usa estas roupas, mas não podemos esquecer das nossas tradições, como: saber fazer um pujá (tipo de cocar Tumbalalá), uma cataió (saia de croá), o maracá e outros artesanatos da tribo.

Quando os jesuítas vieram impor sua religião, tentaram mudar o nosso Deus e os nossos costumes dizendo que nós não estávamos certos. Deus para a gente é a Natureza.

Os padres iludiram tanto o índio que estes chegaram a juntar suas coisas e queimar na fo-gueira. Então, o índio tinha que dizer que ia caçar no mato, tirar mel e naquela saída se escondia e ia fazer seus rituais.

O catolicismo convenceu muitos índios. Ainda hoje tem religiões chegando querendo mudar o índio, falando que nossa religião é do demônio, do satanás. Hoje o governo é o principal responsável da maldade que está existindo contra o índio. Criaram um órgão, a FUNAI, para cuidar do índio, mas ele está a serviço do governo. Os advogados da FUNAI, como já vi em Brasília, não defendem o índio, defendem mesmo a FUNAI. Não é o governo que nos está dando alguma coisa, é o próprio índio que estar abrindo os olhos, enxergando o direito que ele tem e exigindo. Não existe justiça no Brasil, a realidade do índio é prova disso. A Polícia Federal chega aqui por interesses do próprio bolso dela, porque recebe uma diária especial, além do salário, às vezes vem, mas sem interesse de resolver nossos problemas. Falta que o governo faça o nosso reconhecimento legal e demarque nossas Terras, mas “eu sou índio independentemente do reconhecimento da FUNAI”. Ser índio aqui na aldeia é fácil, no ritual é fácil, agora no mundo lá fora é difícil, somos discriminados.Fomos invadidos, fomos misturados e hoje dizem que não tem índios no Nordeste.

Nós estamos lutando contra os preconceitos. Divulgando nossa cultura, o branco vai ter a consciência de como é o índio de hoje e porque ele é índio, eles vão passar a entender que a gente tem uma cultura diferente, pela qual temos muito amor e respeito.

Hoje em dia, nesta “modernidade” onde o governo, os políticos tentam exterminar o que temos de nossa cultura indígena, temos que aprender coisas do branco, seus aparelhos, sua ciência, para poder prever o próximo golpe. Hoje é útil ter a leitura e também saber conversar sua língua, se não como podemos calá-los. Tem que ter a experiência deles para usar contra eles mesmos. “Espero que o que a gente aprenda sirva melhor para a gente”.

Eu, índio não preciso ler uma bíblia para acreditar em Deus, porque através da Natureza a gente vê Deus e sabe quem ele é, nós sabemos ver a beleza, sabemos que existe só um Superior, é aquele que foi capaz de fazer tudo o que existe, é o dono de tudo, então eu acredito em Deus e o vejo através da Natureza.

Deus quando criou a Terra fez o índio. O segredo de Deus homem nenhum aqui na Terra sabe. A vontade de Deus é que todos nós sejamos unidos.

O rio está morrendo por causa do desmatamento, poluição, uso do agrotóxico, adubos químicos e esgotos. Água é vida, tem que ser cuidada, tudo que existe na Terra é da Natureza e o homem não faz nada fora da Natureza. Hoje o homem branco faz muita coisa para destruir a si mesmo e a Natureza. Todo estudo do homem branco é só para destruir, já o índio faz as coisas dentro do equilíbrio da Natureza.

Nós andávamos tranquilos pelas estradas. O perigo era só uma raposa, uma cobra, um boi que remete (ataca), mas hoje temos medo do bandido ou de ser atropelados.

Hoje parece que a gente vota para nos destruir. Temos que acreditar mais em nós e não tanto nos políticos, porque eles têm mais de uma cara.

Índio é eternamente Índio!