Cansados de sofrer fome, maltrato, desarraigo, abusos e o olvido do Estado, os Tupinambá retomaram suas terras. Terras que foram roubadas a través de políticas de Estado e de violência. Os indígenas não são os ladrões, são os moradores ancestrais de seu território. Por isso, em outubro de 2006, 22 Tupinambá retomaram e reconstruíram uma parte da chamada fazenda “Bela Vista”. Terra abandonada por o fazendeiro que não produzia nada.  Com a retomada e o trabalho da comunidade, esta terra começa a recuperar sua historia. Legitimamente voltou a ser dos Tupinambá. Agora são 38 famílias, quase 180 pessoas que moram com dignidade e persistência nessa bela aldeia chamada Tucum.

Dignidade que mulheres, homens, crianças, jovens e adultos não só irradiam em seu olhar, em seus gestos, em suas vozes, também na forma como moram entre parentes e convivem com a terra. A coletividade, solidariedade, humildade são alguns dos princípios que os acompanham em sua luta e persistência cotidiana. Persistência no caminho de procurar um bom viver, com saúde, educação, alimentação, e todo mais. Além procuram fortalecer a participação comunitária, o trabalho compartilhado, a identidade indígena, a educação própria e a recuperação de muitos aspectos de sua cultura, que foi marcada por a discriminação, o preconceito, o racismo, e todas as outras agressões contra eles.

Dignidade e resistência porque estas pessoas além de suportar todo isso, tem que se defender das políticas de agressão do governo de Brasil, que se nega a demarcar essas terras para os indígenas, mesmo quando já ficam delimitadas legalmente. Um governo que nega as terras a quem as trabalha e mora com elas, para privilegiar a quem as apropria e explora para acumular. O governo defende os interesses dos fazendeiros e esquece os direitos dos povos. Por isso, uma vez mais pretendem desintegrar a comunidade destas 38 famílias, para “reintegrar” as terras o fazendeiro. Assim aconteceu em 2008, quando entraram policiais a lhes desalojar de Tucum, queimando suas  moradas e destruindo o que haviam conseguido com esforço.

Apesar de que em 2009 o Governo Federal publicara a Relatoria que delimita o território Tupinambá que inclui as terras de Tucum, e que deveriam – se haver demarcado já, hoje essa comunidade está ameaçada por uma nova sentencia e ordem de despojo, que as autoridades judiciais chamam, uma vez mais: reintegração. Dois juízes federais sentenciaram a reintegração para  o dia 3 de maio, a través de um processo inconstitucional, ilegal e arbitrário. Ante esta nova sentencia, a comunidade exige: “suspender imediatamente a liminar de reintegração de posse e que sejam afastados e investigados pelas instâncias judiciais e governamentais apropriadas os Juízes Federais de Ilhéus, Dra Karina Costa e Dr. Pedro Holliday por suas atuações nos processos contra a Comunidade Tupinambá de Olivença”.
Esta exigência foi apresentada numa Carta Aberta o passado 29 de abril. Além fazem um chamado para que ninguém esqueça e em especial o Governo cumpra com o mandato do parágrafo  5 do artigo 231 da Constituição Federal de 1988 que ordena: “É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do  Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou de epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação  do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco”.
Estes são os rostos, as miradas, os gestos, de algumas pessoas que moram em Tucum. São  reflexos de alegria, de tristeza, de emoção, de esperança, de dignidade, dignidade e de ainda mais dignidade, e de todo o que contagiam desde a vida em sua aldeia. Eles são os “ladrões”, que deveriam – ser jogados nas cadeias ou eliminados, para que os fazendeiros fiquem tranquilos, para que possam continuar especulando com as terras e explorando a os indígenas. Será justo que um governo atue só para proteger os interesses econômicos de uma pessoa passando por cima dos direitos de uma comunidade? Vale mais o privilegio de uma pessoa que a vida de 38 famílias?

Em Tucum há 38 casas e uma escola, feitas por seus próprios moradores. Terra e madeira, são os principais elementos de construção que as fazem frescas e seguras. A vida com a terra que tanto sonham e que vão construindo diariamente inclui tarefas tão diversas como a defensa das nascentes de água até conseguir do Governo Federal a eletricidade.

As casas são um convite a mudar o modo de vida consumista, onde só tijolo, cimento, vidro e outros materiais são considerados indispensáveis para ter uma casa bonita. Lá é distinto, as estruturas físicas não só são belas porque todo é feito com as próprias mãos de seus moradores, também porque cuidam da natureza e precisam muitos poucos materiais comerciais para suas construções.

 

Sua escola acolhe 32 crianças de 3 a 11 anos. Este espaço de educação é um núcleo da Escola Indígena Tupinambá de Olivença, reconocido pelo Governo Federal. Tem duas professoras dedicadas a formar indígenas com identidade e com conhecimentos de sua própria historia. O núcleo é um esforço grande da comunidade para trabalhar Ensino Fundamental com as crianças como o presente e futuro da aldeia.

 

 

O Fazendeiro recebe indenização quando é “removido” das terras das indígenas.  Os indígenas não foram  jamais indenizados nesses 500 anos de despejo. A história de Tucum é assim. Reconstruíram sozinhos suas casas depois da ultima “reintegração” em 2008. Não receberam nenhuma indenização. Trabalharam fortemente sem apoios, para voltar a ter suas moradas e seu sustento diário. Assim, agora, cultivam feijão, milho, mandioca, plantas medicinais e também bananas, mamão, goiaba, cana de açúcar e muito mais. Tudo isso, é um maravilhoso caminho para procurar a soberania alimentar.

 

“Essa foi nossa primeira plantação de abacaxi. Eram só 18 pes, agora temos 20 mil pés para nosso consumo na aldeia e para vendermos”, conta o cacique Ramón, mostrando com orgulho os frutos do trabalho coletivo.  Tucum todo é um monumento ao esforço comunitário em harmonia com a natureza, obedecendo ao mandato ancestral de Tupã (pai espiritual Tupinambá).  É inconcebível que ainda hoje existam pessoas que chamen aos indígenas de preguiçosos.

 

 

Sementes, madeira, fibra de piaçava, pedras e outros elementos naturais, são utilizados para fazer colares, pulseiras, brincos, adornos e outros artesanatos para eles mesmos e também para vender.

 

 

 

As reuniões comunitárias se fazem abaixo de um de muitos “paus de carne”, que eles cultivam. É a árvore de jaca. “Como passamos fome, aproveitamos o valor nutricional desta fruta como único alimento nos tempos difíceis. Por isso apelidamos nossa jaqueria como nosso  pau carne”, lembram as Tupinambá. Esse é o espaço de diálogo entre eles e com quem os visitantes para compartilhar tristezas, nostalgias, lembranças de vida e de luta, mas também vozes de resistência, fortaleza e esperança. A arvore também é protagonista dos sentimentos e pensamentos nele teçidos.

“Não estamos para agredir, estamos aqui para viver com a terra”, reitera Maria de Lourdes de Jesús, a seus 73 anos. Com esse espírito os indígenas criam sua comunidade, protegem sua aldeia e trabalham para morar em seu território em harmonia com todos os seres da natureza. Os indígenas não se sentem donos da terra, se sentem parte dela.  A sentencia de “reintegração” vai se cumprir se o respaldo e a solidariedade dos outros povos não se faz sentir. “Temos coragem para lutar, mas somos poucos”, diz com dor a avo. Em um mundo que precisa de formas de vida coletivas, sustentáveis, que protejam a natureza e, ao mesmo tempo, desenvolvam atividades econômicas viáveis, os governos e a sociedades todas deveriam aprender a proteger aldeias como Tucum. Mas é o contrario o que acontece: com nossa cumplicidade ou negligencia destruímos o que mais precisamos para sobreviver.

Por Vilma Almendra y Manuel Rozental para Pueblos en Camino