Em visita de solidariedade, em nome do Povo Tupinambá de Olivença, aos parentes Guaranis, no dia 22/07, que estão aldeados, desde março de 2008, em Camboinhas-Niterói/RJ, vítimas do incêndio criminoso no dia 18/07, onde colocou em risco vidas humanas (mulheres e crianças, e o único homem presente no momento), devido a ganância do homem “moderno”, ou dito “civilizado”, que deseja construir em cima de Sambaquis (cemitérios indígenas), “lofts”, onde visam apenas o lucro. Constatamos mais uma vez, a crueldade humana.
O ato criminoso, além de por em risco vidas humanas, queimou acervos culturais seculares, havia um instrumento que possuía 320 anos, queimou todos os instrumentos musicais do coral mirim das crianças guaranis, bem como suas roupas de apresentações, todos os livros da biblioteca, onde havia um escrito pelo Cacique, e guardava segredos da sua cultura e tradição falada pelos anciões, que já partiram para o grande encontro, queimou a “Casa de Reza” (local onde se encontravam todos os instrumentos musicais), a Escola, e as moradias (ocas).
Há 10 anos, nossos irmãos guaranis, juntamente, com outros indígenas vêm fazendo levantamento de áreas que possuem Sambaquis, e descobriram em Camboinhas, uma área onde os ossos dos nossos antepassados estão aflorando na areia como se fossem flores do campo, local onde ocorreu o Massacre intitulado de Confederação dos Tamoios, já pesquisado e catalogado, e comprovado cientificamente, na linguagem do homem “branco”.

Sendo, que devido a ameaça existente do desaparecimento desse local sagrado, pois já foi permitido pelo governantes a construção desses empreendimentos imobiliários, inclusive um já foi construído em cima de um Sambaqui, eles resolveram ocupar o espaço, e proteger. Motivo principal da ocupação. Imaginamos todos, qual seria a reação se nós indígenas resolvêssemos construir, ou tripudiar em cima dos Jardins da Saudade, do cemitério São João Batista, Campos Santos, ou da Paz, locais onde são guardados os restos mortais do não indígena?
Só que isso não é divulgado pela Grande Mídia, como sempre a sociedade brasileira, fica sem entender nada, pois a distorção que é feita nos coloca em condição de réus. Grande parte desses meios de comunicação de massa, que estão a serviço dos poderosos faz ver que somos primitivos, selvagens, e sem alma, e que não possuímos direitos. Não respeitam nossa cultura e tradição, que lutamos com a força do Grande Espírito, dos nossos ancestrais e a nossa para continuarmos mantendo nossa verdadeira identidade e garantir nossa vida, e a das nossas futuras gerações, assim como toda a Mãe Natureza.
Eu mesma, pude presenciar motocicletas fazendo enduro em cima de um Sambaqui, local sagrado para nós, onde pisamos com os pés descalços, não respeitando nem uma placa existente, onde está escrito “Área de Preservação”.
O que é um Sambaqui? É uma palavra de etimologia Tupi. São sítios arqueológicos formados pela acumulação de conchas e moluscos, ossos humanos e de animais. Onde nossos antepassados enterravam nossos mortos.
O que vi, foi um ambiente desolador marcado pela ignorância do homem “branco”, talvez, essa palavra é pequena demais para qualificar atitudes como essa, ainda assim um homem “branco” no momento do incêndio saiu correndo das ocas, provavelmente o incendiário, gritando: “olha os índios pegando fogo!”. Também, vi não indígenas sensibilizados e indignados, levando sua solidariedade, juntando forças conosco para inibir atitudes desumanas.

Além dos parentes Guaranis, eu, a Renata Tupinambá, a Maria Conceição Tupinambá, o professor da UFRJ, Andrea Lombardi, havia também, assistentes sociais, moradores locais, e a polícia militar representada pelo Comandante Mário, que demonstrou possuir um coração verdadeiramente humano, e isso verificamos através dos olhos dele, não somente, pela demonstração de interesse pelo trabalho que ele realiza.
Perguntamos: Quando vão parar de nos perseguir? Quando a sociedade não indígena (não generalizando) conseguirá retirar a venda de “burro de carroça” dos olhos? Quando reconhecerão que somos os primeiros povos desse território, e, portanto, os verdadeiros donos? Quando respeitarão nosso direito de possuir a vida? Quando entenderão que somos nômades, e não sedentários, e que precisamos do direito de ir e vir, porque é assim nossa cultura, qualquer atitude contrária é violação dos nossos direitos humanos? Quando irão reconhecer, reparar e pedir perdão pelo que fizeram e ainda fazem com o nosso Povo?
Não somos mendigos, não somos avarentos, gananciosos, nem temos inveja, muito menos da cultura ocidental, que até hoje, só nos trouxe desgraças, se adquirimos algum hábito dessa cultura, foi por imposição, e não porque abraçamos como deveria ser o processo natural da evolução humana.
Repetindo, ainda continuo acreditando na união dos Irmãos do Mundo, independente de onde venham, ou de qual grupo pertençam, precisamos juntos, lutar por respeito e justiça para todos!
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Yakuy Tupinambá (Irmã do Mundo)
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