Marina Silva

Já se disse tudo sobre os guarani-kaiowá. Nada parece comover a
“civilização brasileira” de que o extermínio desse povo é um crime
imperdoável e o sangue de suas crianças recai sobre todos nós.

Dói na alma ler a carta da comunidade Pyelito kue”“Mbarakay, de Iguatemi
(MS), divulgada depois que a Justiça de Naviraí (MS) determinou sua
retirada da beira de um rio.

É um daqueles documentos que testemunham momentos graves na formação do
país, como os relatos de Canudos e do Contestado, da Revolta da Chibata, da
escravidão, da ditadura, dos incontáveis massacres e chacinas que tingem o
chão de nossa pátria.

Ouçamos a voz guarani-kaiowá: “(…) avaliamos a nossa situação e
concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem
teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio
quanto longe daqui. Estamos acampados a 50 metros do rio Hovy, onde já
ocorreram quatro mortes, sendo que dois morreram por meio de suicídio e
dois em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas.
Moramos na margem deste rio Hovy há mais de um ano, estamos sem assistência
nenhuma, isolados, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos
comida uma vez por dia. Tudo isso passamos dia a dia para recuperar o nosso
território antigo Pyelito kue-Mbarakay”.

Onde estão os poderes da República, o sistema político, as grandes empresas
que se dizem salvadoras da economia nacional? Onde está a opinião pública?
Onde está o brasileiro cordial?

Escutemos: ” (…) ali estão o cemitérios de todos nossos antepassados.
Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e
enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por
isso, pedimos ao governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de
despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e
para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar
a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar
um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso
pedido aos juízes federais”.

Há um suicídio a cada seis dias entre os guarani-kaiowá. Quase 50 são
assassinados por ano. Agressões incontáveis. Falta ética, respeito à vida e
responsabilidade para com os mais frágeis.

Não faltam anestesiadores de consciência sempre dispostos a minimizar a
gravidade da situação, ao dizer que os índios estão blefando, que as “ONGs
estrangeiras” estão por trás, conspirando contra o Brasil.

A pergunta é: até quando assistiremos o genocídio sem fazer nada? Cada um
sabe se é um destinatário da pergunta e em que medida participa da resposta.

Por: Marina Silva
Encaminhada ao Indios Oline por: Hemerson Dantas