Eu nasci e me criei

Eu nasci e me criei no alto da serra da Lagoa Grande. Nasci no ano de 1924, dia 23 de outubro.

Minha mãe me disse que me teve lá na toca: “Eu sou parente de bode”!

Quando eu era pequena, minha mãe só tinha a mim sozinha. Eu não tinha com quem brincar. Morava tudo longe um do outro. A única tia que morava mais perto era lá longe, do outro lado do mato.

Eu nunca brinquei de boneca. Minha mãe andava pÂ’ra aqui e acolá e eu sempre com ela. Catando feijão e lá passava a semana para os lados de Pombal e só voltava dia de sábado, e eu com ela, ajuntando o feijão.

Ela trabalhava nas roças dos brancos e quando ia me levava junto.

Mas quando vinha o tempo ruim (de seca) a gente comia bró, palmito, inhame, tipã.

Tipã é um negócio que nasce no mato, que tem uma cabeça redondinha. A gente arrancava, descascava tudo, ralava e lavava aquela massa, botava no fogo e fazia o beiju para não morrer de fome.

Nesse tempo ruim, de seca, a gente carregava água de muito longe.

A gente vinha pegar água da Cacimba Seca, do Pau Ferro. Minha mãe é que ia pegar água lá, eu era muito pequena. Ela trazia a água em um pote de barro, na cabeça.

Ela ia de madrugada e voltava umas 8, 9 horas da manhã.

Aí, deixava a água e viajava para o mato para tirar bró (a massa da licurizeira) ou caçar alguma coisa para comer.

Quem cria licurizeira, cria aquele cacho de licuri (ouricuri). Aí, apanha o licuri e repara se a madeira tem massa. O pau que não dá massa não serve pra fazer esse beiju.

Tinha tempos ruins que não tinha nem licuri.

Quando eu não tinha filho ainda, eu trabalhava na roça dos brancos. Aqui mesmo nessa rua, eu vinha buscar as roupas das mulheres brancas, todos os dias, para lavar.

Na época de inverno tinha que arranjar meio de sobreviver, porque não dava nada na roça. É tempo de plantar para colher uns três meses depois.

Depois, quando eu já tinha família, eu fazia bolo, arroz e muito doce para vender nas festas. Quando dava umas 3 horas da manhã eu já estava com as bacias de bolo tudo assado e jogava a panela na cabeça e viajava para todo o canto, para vender. Isso, há uns trinta anos atrás.

DONA AMÉLIA