MAIS INDÍGENAS TERÃO QUE MORRER ENGROSSANDO OS RELATÓRIOS INTERNACIONAIS E OS PEDIDOS DE PERDÃO?

PORQUE A ONU, IGREJA, ANISTIA INTERNACIONAL, OIT E OUTRAS ENTIDADES INTERNACIONAIS NÃO REALIZAM UMA PRESSÃO INTERNACIONAL PELO FIM DO GENOCÍDIO E ETNOCÍDIO DOS POVOS INDÍGENAS E POR SEU DIREITO AO TERRITÓRIO NO BRASIL (PINDORAMA) E NA ABYA-YALA (AMÉRICA LATINA)?

 

Por Casé Angatu

O Papa Francisco, no dia 16/02/2016, pediu “perdão aos indígenas pelos abusos contra suas terras e sua cultura” - em Chiapas [San Cristóbal de Las Casas – México]. Na ocasião escrevemos: “Palavras não bastam Papa Francisco”. Questionávamos se, novamente, Índios teriam que morrer para novos pedidos de perdão.(1)

No entanto, a 36 anos atrás, em 1980, Marçal de Souza - Tupã-Y, - uma de nossas maiores lideranças indígenas -, que também morou em Caarapó, foi escolhido representante da comunidade indígena para falar com o Papa João Paulo II. Durante sua fala Tupã Y indagou o pontífice:

“a nossa miséria, a nossa tristeza e pela morte de nossos índios assassinados friamente por aqueles que tomam nosso chão. A terra que para nós representa a nossa própria vida e a nossa sobrevivência neste grande Brasil, chamado de país cristão (…) Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas, os nossos territórios são invadidos… Dizem que o Brasil foi descoberto. O Brasil não foi descoberto não, o Brasil foi invadido e tomado dos indígenas do Brasil. Essa é a verdadeira história” (Marçal de Souza - Tupã-Y) (2)

Marçal - Tupã-Y, depois de diversas ameaças e agressões, três anos após sua fala ao Papa João Paulo, em 1983, foi assassinado a tiros. No entanto, sua memória e luta nos inspiram após mais de três décadas de seu assassinato.

O argumento que usamos sobre a fala do Papa Francisco, - “Palavras não bastam” -, vale não só para a Igreja Católica, mas também para todas as religiões, “governantes”, e comissões/entidades dos direitos humanos, incluindo o judiciário, estado brasileiro e da Abya-Yala (América Latina).

Alguns meses atrás (março/2016) os emissários da Organização das Nações Unidas - ONU fizeram mais um Relatório denunciando as agressões aos direitos dos Povos Indígenas. Denunciaram a falta de garantias aos Índios no Brasil e que a situação poderia se agravar. Quando a divulgação dos dados da ONU ocorreu escrevemos: “ONU: só relatórios e denúncias não bastam.” (3)

Não estamos tentando aqui desmerecer as denúncias e as ações de apoio à luta dos Povos Indígenas. Até porque a situação sem estas ações e denúncias poderia ser pior. Porém, pensamos:

PRECISAMOS DE UM MOVIMENTO PARA QUE ENTIDADES COMO ONU, IGREJA, ANISTIA INTERNACIONAL, OIT (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO) E DIFERENTES ORGANIZAÇÕES/COMISSÕES DO DIREITOS HUMANOS EXIJAM MAIS AINDA DOS GOVERNOS DA ABYA-YALA (LATINOAMERICA) E BRASILEIRON(PINDORAMA):

- Basta ao genocídio e etnocídio dos Povos Indígenas!

- Devolução e garantias aos Territórios Indígenas de toda Latioamerica !

- Autonomia, Alteridade e Liberdade aos Povos e Territórios Indígenas !

- Fim das mortes, prisões, perseguições e liberdade a todos Indígenas presos !

- Basta a destruição da natureza !

- Além de outras atitudes especificas à cada Povo Originário.

Para os que acham que exigimos muito: nesta lista não entrou a devolução de todas as riquezas roubadas dos Povos Originários, indenizações pelas devastações ao meio ambiente natural e as punições em relação aos “milhares e milhares” de indígenas mortos.

No entanto, acreditamos que também não basta somente exigir do estados e elites brasileiras e latinoamericanas que concretizem os direitos originários dos Povos Indígenas. Estas exigências são ações que não acontecem a 516 anos. São exigências de mais de cinco séculos.

Alguns destes direitos já foram até referendados pela Constituição de 1988 e por normatizações internacionais como a Convenção 169 da OIT (07/06/1989) sobre os Povos Indígenas. Convenção 169 da qual o Brasil é consignatário e, assim como a Constituição de 1988, não concretiza seus parâmetros na plenitude. São direitos desrespeitados pelo estado e justiça brasileira por razões econômicas e políticas e que só serão validados sob máxima pressão.

PROPOMOS ENTÃO QUE A ONU, VATICANO, OIT, ANISTIA INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÕES/COMISSÕES DO DIREITOS HUMANOS E OUTRAS ENTIDADES INTERNACIONAIS ROMPAM RELAÇÕES COM O BRASIL E TODOS OS ESTADOS NA ABYA-YALA (LATINOAMERICA) QUE NÃO GARANTAM OS DIREITOS ORIGINÁRIOS AOS POVOS INDÍGENAS E QUE CONTINUAM COM O GENOCÍDIO E ETNOCÍDIO DE ÍNDIOS.

Acreditamos que a ONU, Vaticano, Anistia Internacional, OIT, Direitos Humanos e outras entidades internacionais deveriam classificar estados, como o brasileiro, suas leis, governantes e as elites nacionais/internacionais como criminosos caso não cessem: os crimes (genocídio/etnocídio) contra os Povos Originários; continuem com as criminalizações/prisões de índios; não restituam/garantam os Territórios reivindicados; preservem a alteridade/autonomia sociocultural; e finalizem a devastação da natureza. Ou seja, estas entidades deveriam constituir uma campanha internacional de enfrentamento e exigências ao governo brasileiro e latinoamericanos.

Eis aqui um profundo e estrutural pedido de remissão pelo o que ocorreu no passado e no presente - como o assassinado dos nossos Parentes Guarani Kaiwoá. Queremos sim saber quem foram os que atiraram contra nossos Parentes e os vitimaram. Saber também quem foram os mandatários deste massacre. Mas isto não basta porque existem várias formas de matar e uma delas é a omissão do estado e da justiça brasileira. Assassino não é só quem aperta o gatilho.

O que queremos é uma ação estrutural para evitar futuras solicitações de perdão e que os relatórios futuros da ONU sejam só de denúncias sobre as violações. Para não precisamos expor nossas vidas na luta pelo Território, fazendo aquilo que a justiça e o estado não fazem: a auto-demarcação do Território Ancestral … a retomada da Terra Sagrada.

Ou estas entidades internacionais irão esperar que ocorram mais mortes de indígena para aumentar os dados em seus relatórios e pedidos de perdão?

Já que a ONU constituiu recentemente um relatório denunciado que as ações do novo/velho governo golpista brasileiro podem produzirem novos genocídios, como já produziu, então indagamos: por que não evitar mais mortos agora.

Solicitamos a vocês que possuem alguma forma de contato e articulação com estas entidades que falem isto para estas organizações. É necessário ação direta dessas e outras entidades nacionais e internacionais que possuam algum tipo de pressão sobre o estado e judiciário brasileiro – instrumentos que tem sido, na maioria dos casos, algozes dos Povos Indígenas.

Senão a impressão que possuímos sobre as leis, estado e justiça não indígena serão verdadeiras. Alguns Indígenas, entre os quais nos incluímos, pensamos à um certo tempo, mais de 500 anos, que não existem estados, governos e leis feitas por não índios que ofereçam garantias ao sagrado direito originário dos Povos Indígenas aos seus Territórios.

Não confiamos nos novos e velhos donos do poder, especialmente no atual governo golpista. Mas também não esquecemos que os governos anteriores não avançaram propositalmente nos direitos indígenas e nas demarcações territoriais.

Do mesmo modo, não confiamos na constituição e legislação brasileira que impedem justas demarcações indígenas e permitem que sejam revistos processos demarcatórios já efetuados dependendo da ordem política existem. A constituição e o direito não indígena não nos oferecem garantias. Assim, é que devemos pensar? Ou será que é possível pensarmos de uma outra forma?

“Nós indígenas não somos só o passado

Somos o presente

Seremos o futuro

Não temos rancor,

mas possuímos memórias

E em nome de nossa ancestralidade
falamos:

Palavras não bastam!

Deixem-nos viver para salvarmos a terra

porque somos a terra.”

(Casé Angatu)

Sabemos que estamos sendo utópicos neste texto quando indagamos: “porque a ONU, Igreja, Anistia Internacional, OIT e outras Entidades não rompem com o Estado Brasileiro após mais este massacre contra os Guarani Kaiowá?”

Temos ciência que a retomada do Território Ancestral será ação dos próprios Povos Indígenas com a força dos aliados desta justa luta. Assim, tem acontecido à mais de quinhentos anos.

Esta parte da luta (auto-demarcação, retomada do Território Ancestral e resistência das tradições ancestrais) já é realizada à cinco séculos e paga-se caro pela (re)existência.

 

DOR E ESPERANÇA QUE CONTINUA COM O MASSACRE GUARANI KAIOWÁ

Por fim deixamos uma desabafo de dor, mas também de esperança: vocês, - donos do poder econômico (ruralistas), político (estado) e da justiça - são também os culpados. Culpados pela morte e sofrimento de todo indígena morto, ferido e/ou preso na luta pelo Território. Nosso Conhecimento e Palavras serão pra vocês como Arco e Flechas.

As Reflexões que realizamos possuem as forças dos nossos ancestrais. Nossas/nossos Encantadas/Encantados são a Proteção que possuímos contra as crueldades que nos proporcionam. A Sabedoria Ancestral fortalece nossa Anga porque somos a terra …a natureza sagrada que continuará apesar de vocês.

Dor, revolta e esperança continuam na anga. Latejam pelo crime contra os Parentes Guarani Kaiowá e por 516 anos de perseguições.

Não esqueceremos de cada Parente morta/morto: temos memória, mas não rancor! Elas/eles serão plantados e delas/deles frutificaram novas/novos GWARINIS ATÃS

 

“Oh!

Devolvam nossas Terras

Estas Terras nos pertencem

Devolvam nossas Terras

Estas Terras nos pertencem

Nelas mataram e ensanguentaram

nossos Parentes

Nelas mataram e ensanguentaram

nossos Parentes ”

(Canto de Luta entoado durante nosso Porancy)

 

EM MEMÓRIA À NOSSOS PARENTES GUARANI KAIOWÁ MORTOS E FERIDOS!

FORÇA AOS GUARANI KAIOWÁ E TODOS OS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL E DA ABYA-YALA!

VOCÊS ESTARÃO PRESENTES: AGORA E SEMPRE!

 

AWERÊ !

 

“Eu creio que no Brasil inteiro vai se levantar, se é que não já se levantou, Índios esclarecidos como eu que levantará sua voz em prol de sua raça. Nos reclamos a injustiça, a calúnia, a pobreza, a fome que a civilização nos trouxe”

(MARÇAL TUPÃ-Y)

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Sobre o Autor do Texto – Casé Angatu: Indígena e da Luta Indígena, morador no Território Indígena Tupinambá na Aldeia Gwarini Taba Atã. Historiador e Professor da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC -Ilhéus/Bahia

OBS: o que está escrito neste texto reflete os sentimentos e pensamentos do coletivo de índios do qual somos parte.

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CITAÇÕES

OBS: Sugestão de leitura do presente texto. Como são várias citações de links, sugerimos, para uma leitura mais aprofunda da ideias expostas, que os links são visitados e observados posteriormente à leitura do texto.

(1) ANGATU, Casé. Palavras não Bastam … Papa Francisco …https://www.facebook.com/libertad.volant/posts/10153871091613168, 19/02/2016.

(2) Marçal Tupã-Y - ‘Por uma causa justa, a gente morre”…In: https://www.youtube.com/watch?v=QKMjXlnM8Xw, 05/12/2013

(3) ANGATU, Casé. Ruralista Incita o Acirramento da Violência contra o Povo Tupinambá. http://www.indiosonline.net/ruralista-incita-o-acirramento-da-violencia-contra-o-povo-tupinamba-de-olivenca-ilheusbahia-ameaca-a-demarcacao-do-terrirorio-indigena-na-regiao-e-em-todo-pais-o-fundamentalismo-ruralista-e-um-in/, 02/06/2016

 

OBS: não sabemos a autoria da foto. Caso alguém saiba,por favor, informe para oferecermos os devidos créditos.

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