O cacau chegou à aldeia com o arrendamento de nossas terras feito pelo SPI – Serviço de Proteção ao Índio. Com isso os arrendatários que entraram em nossas terras, e ainda hoje temos problemas para tirá-los, fizeram plantações de cacau e as exploraram por muitos anos. Assim, hoje em uma parte da aldeia que já retomamos, estamos explorando essas roças. Atualmente esse cultivo é uma das atividades econômicas mais importantes da aldeia.
Inicialmente, para nos indígenas foi muito difícil lidar com o cacau, por não termos experiência nessa cultura. Não sabíamos que ferramentas usar, qual a época da colheita, o tipo de limpeza que deveria ser feita, como seria a divisão do trabalho. Atualmente nós indígenas aprendemos como lidar com isso.
As roças de cacau são cultivadas em baixo da mata, o processo de trabalho do cacau começa com a roçagem, quando é utilizado o facão, a foice e o biscó para cortar os matos que crescem nessas roças. Depois para a limpeza dos pés de cacau é utilizado o facão para cortar os brotos que nascem, os brotos são galhos viçosos que nascem do pé da planta adulta tomando seus nutrientes, impedido que a arvore adulta tenha uma produção satisfatória. Utilizamos também escova para tirar o limo dos troncos, pois por ser uma agricultura feita embaixo das matas, é sombreada e está sujeita a limos, musgos etc. A importância de tirar este limo é por causa das flores que nascem no tronco em pequenas almofadas nas cascas, e se este tronco estiver com limo, esse limo impede que as flores vinguem. Para colhermos o cacau precisamos de uma ferramenta chamada podão, que é um instrumento de corte preso na ponta de uma vara de madeira fina para que fique mais leve para quem vai fazer o trabalho, e dê para alcançar as partes mais altas das plantas. As pessoas que colhem, usam o podão segurado pelo cabo e assim levando a lamina até o alto da planta, para alcançar o fruto e cotar o talo. Os frutos caem no chão e outra pessoa vai catando com um facão batendo no fruto com a ponta para prender ele e levar até a cesta que e carregada nas costas pelo catador, nos chamamos isso de bandeirar. A finalização desse trabalho de bandeirar é juntar os frutos em rumas. Quando termina de colher um certa parte da roça, começa o processo de quebra dos frutos. Para isso, usamos um facão que foi encurtado, chamado de bodogo, pegamos o bodogo batemos no fruto para prender e levar até a nossa outra mão e cortar o fruto levemente para lascar a casca. O próximo passo é jogar em uma caixa de madeira para os tiradores tirarem as amêndoas. Depois de tudo isso, pegamos folhas de bananeira estendemos no chão e derramamos as amêndoas que estavam na caixa para escorrer o suco do cacau. A seguir vai alguém pegar os burros com as cangalhas e os caçuás para transportar as amêndoas para as barcaças, que é onde as secamos. Chegando lá despejamos as amêndoas no fermentador, que é uma caixa grande de madeira, deixamos um tempo até o processo de fermentação terminar e depois dessa parte espalhamos em cima de um tabuado de madeira com telhado móvel que permite fechar quando estiver chovendo e abrir quando estiver fazendo sol, essa estrutura chamamos barcaça. Daí reviramos e pisamos as amêndoas para não grudar e facilitar a secagem. Quando não faz sol ou quando queremos secar mais rápido fazemos a mesma coisa, porem jogamos as amêndoas em uma tela dentro de uma casa de dois andares onde a parte de cima tem uma tela e na parte de baixo tem um tubo que serve de fornalha de lenha, isso tem o nome de secador. No secador cai da tela um resíduo chamado de pó de cacau, que também pode ser juntado e vendido, o que normalmente é feito pelas crianças. Finalmente as amêndoas são juntadas ensacadas pesadas e vendidas.
O cacau por ser uma lavora muito trabalhosa precisa de muito esforço físico, principalmente por parte de quem tira e quem cata, e por ser um trabalho puxando normalmente isso é feito pelos homens mas a parte de tirar as amêndoas da casca que envolve o cacau fica por conta das mulheres por ser um trabalho mais leve.
A pesar de tanto trabalho, não tem um retorno financeiro satisfatório. Ao longo do processo trabalhamos muito e as doenças do cacaueiro, que são vassoura de bruxa e podridão parda, interferem com o resultado final e ficamos com pouca quantidade de amêndoas para vender.

Olinda Muniz