Eu sou Edvaldo Pataxó, filho de José Hamilton (não índio) e Judite Pataxó(índia).Minha mãe é índia do grupo Kariri Sapuyá que junto a mais 4 grupos étnicos se fusionara e deram origem ao atual povo Pataxó Há Ha Hae, residimos no Posto Indígena Caramuru e no momento estou em Havana-Cuba cursando o 5º ano de medicina.

FRAGMENTOS DA NOSSA DOLORIDA HISTÓRIA

Devido o processo de invasão do nosso território, hoje chamado Brasil, ao qual vitimou muitos dos nossos povos e tribos inteiras deixaram de existir.Consideramos que as nossas terras foram duplamente invadidas; primeiro com a chegada dos portugueses em 1500 e segundo,depois que alei brasileira delimitou um território para que os índios pudessem sobreviver ,no caso do meu povo uma área de 54.100 hectares, e este,mais uma vez foi invadido por fazendeiros da região e expulsando os índios para longe delas. Muitos dos índios, os que lograram sobreviver, se refugiaram nas cidades circunvizinhas e outros,chegaram a sair até mesmo fora do estado da Bahia,no caso da família do Galdino que foram para o Paraná.Estes foram obrigados a adaptar-se a uma nova cultura e sistema de governo totalmente oposto aos seus.Mesmo distante de suas terras, nossos anciões não perderam as esperanças de um dia ver o seu povo reunidos novamente e para isso os mais velhos se reuniam periodicamente e traçavam metas para continuar lutando,estas reuniões culminou com inúmeras viagem ao Rio de Janeiro para falar com o então presidente do Serviço de Proteção aos Índios(SPI) que muito prometia e nada fazia.Como exemplo destes guerreiros temos o senhor Desidério (meu avô), Bite, Samado, Camilo, Katunga, dentre outros.Em 1982 conseguimos retomar a uma pequena parte das terras que tradicionalmente nos pertence.Meu avô Desidério que havia refugiado no município de Pau Brasil juntamente com os seu cinco filhos (Iraci, Laura, Aureliano, Judite e Senhorinho) ao retornar para a aldeia todos já haviam casados com pessoas não índia. No caso da minha mãe regressou com seis filhos e teve mais dois na aldeia. Quando cheguei na aldeia tinha apenas quatro anos e desde então, mesmo com a intensificação das práticas de violências por partes dos fazendeiros da região contra a nossa gente eu continuava decidido a estudar.

OS ESTUDOS

Iniciei meus estudos na escola da aldeia.Durante este período as dificuldades era com respeito a precariedade das sala de aula,falta de material didático e carência de professores pois nenhum não índio queria viver na aldeia. Foi então que chegou a professora índia Maria Muniz e começou a lesionar em nossa escolar. Ao terminar a 4ª série tive que dar continuidade aos meus estudos no ginásio da cidade de Pau Brasil.Ai sim foi dureza, pois os desafios eram grandes,tal como:
01-A distância entre a aldeia e a cidade é de 5km e diariamente tinha que fazer este percurso a pé e a noite o que aumentava o risco de sofrer quaisquer tipo de violência;
02-O preconceito e a discriminação na cidade era tão grande, que em épocas anteriores chegaram a não aceitarem a matricula de estudantes índios no ginásio da cidade (no caso de Margarida Pataxó e Agnaldo Pataxó);
03-Um número considerável de índios se matriculava e pouquíssimos lograva concluir o ano letivo.
04-Por não termos nenhum local para o asseio, banhávamos e trocávamos de roupa em um córrego antes de chegar na cidade;
05-Em períodos de chuva chegávamos no colégio totalmente molhados e enlameados;
06-Por estarmos em processo de reconquista do nosso território através de retomadas, nossa presença na cidade era considerado um insulto, pois éramos considerados invasores de nossa própria terra;
07-Uma coordenadora do colégio em que estudamos (Gildinai), sensibilizada com a nossa situação disponibilizou de sua residência par que pudéssemos pernoitar.Por este ato, passou a ser ameaçada de morte, inclusa chegou a ser interceptada por fazendeiros fortemente armados em plena praça pública quando se dirigia ao colégio, acompanhada de alguns estudantes índios;
08-Um ônibus que foi destinado pela funai para o transporte escolar indígena foi apedrejado quando nos trans portava desde o colégio na cidade até a aldeia;
09-Um carro Kombi que prestava serviço para a saúde e que neste dia o cacique Gerson havia destinado para o nosso transporte, esta foi queimada enfrente ao colégio quando nos aguardávamos;
10-…

Muitos foram as dificuldades que enfrentei para poder estudar mais nenhuma desta foram forte o suficiente para fazer-me desistir dos meus objetivos.Com muito sacrifício, terminei o 2º grau em 1999 e pensava em cursar uma universidade, quiçá direito, pedagogia, medicina ou qualquer outra carreira desde quando fosse de grande utilidade para a minha comunidade.

ESTUDAR MEDICINA EM CUBA

Em 2000 conseguir através do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) uma vaga para poder estudar medicina na Escola Latino-americana de Medicina (ELAM) em Cuba, projeto criado pelo nosso comandante Fidel Castro.Para mim foi uma oportunidade de ouro, porém aceita-la foi um tanto difícil, pois tinha que ausentar da minha terra mãe e do meu povo por mais de anos, ademais, em um pais tão distante,com costumes e tradições totalmente distinto dos nossos. Contudo, aceitei o desafio e em fevereiro de 2001 zarpei rumo a essa pequena ilha na América Central, consciente da minha responsabilidade perante ao meu povo de velar pela saúde destes que a mais de 500 anos vem sendo vítimas das diversas formas de violências e de inúmeras doenças que ainda são desconhecidas pelos mais sábios da aldeia(pajé).
Quando for médico, possuindo tanto o conhecimento da medicina convencional quanto a tradicional, pretendo desenvolver um trabalho médico direcionado à prevenir e curar as doenças que muito afeta a minha comunidade bem como dar ênfase à medicina natural Pataxó Há Há Hae como forma de preservar a nossa cultura e meio alternativa por falta de uma política de saúde séria por parte dos governantes do nosso País que realmente satisfaça o interesse dos povos indígenas como um todo.
Vivo em Cuba a 5 anos e apesar das dificuldades que enfrento no âmbito financeiro para custear passagens,aquisição de material didático,higiênico,pessoal e de apoio,bem como escassez de comunicação com os meus familiares e comunidade em geral, sigo convicto de realizar um sonho tanto meu quanto do meu povo de graduar-me e retornar para a minha aldeia.

Um abraço índio a todos.

Edvaldo de Jesus santos Pataxó – brasil3@giron.sld.cu
Havana-Cuba, 15 de janeiro de 2006.

brasil3@giron.sld.cu