As linguagens do conflito.
40 anos do movimento de 68

Para os organizadores do evento, “quarenta anos após 1968, o que está em debate não é a validade do conjunto do movimento, a direção e os efeitos que ele teve – aspectos esses, em relação aos quais as opiniões podem naturalmente divergir. Importante hoje é verificar uma das características que o tornaram tão importante na época: trata-se essencialmente de seu caráter de movimento, em que se juntavam diferentes contribuições da tradição (do situacionismo de Guy Débord, ao protesto beatnik, da rebelião contra o autoritarismo típico de uma revolta das novas gerações, ao protesto engajado em favor da paz e contra a guerra, particularmente à época, contra a guerra do Vietnam): um reviver das vozes críticas, a afirmação de uma cultura do conflito (entendida então como fato material e metafórico), que conseguiram colocar em movimento uma mobilização generalizada das novas gerações, numa medida até então inimaginável e não prevista”.

Em 68, os participantes do movimento defendiam os sujeitos de uma nova geração. Hoje há novos sujeitos sociais e étnicos, como os representantes dos povos nativos, que defendem uma transformação. Acreditam os organizadores que cada movimento que defende transformações abre para novos espaços de debate.

O evento As linguagens do conflito. 40 anos do movimento de 68 é organizado pelo Instituto Italiano de Cultura, do Rio de Janeiro (IIC), em colaboração com a Academia Brasileira de Letras (ABL) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Os convidados

Entre os participantes, o mais conhecido internacionalmente é Gianni Vattimo, um dos filósofos europeus que mais se destacam na atualidade, particularmente no debate sobre o tema do pós-moderno, e que desempenhou também um papel crítico e institucional ao exercer a função de deputado no Parlamento Europeu. Especialista em hermenêutica e defensor do pensamento pós-nietzscheano e pós-estruturalista, Vattimo é professor de filosofia da Universidade de Turim, onde se graduou e estudou com Hans-Georg Gadamer e Luigi Pareyson. Foi professor visitante das universidades americanas de Yale, Los Angeles, New York University, State University of New York. Recebeu o título de laurea honoris causa em diversas Instituições Acadêmicas de vários continentes. É membro de comitês científicos de várias revistas italianas e internacionais, editor da “Rivista di estetica”, e membro da Academia de Ciências de Turim. Atualmente é vice-presidente da Academía de la Latinidade.

Adauto Novaes

Atualmente é diretor do Centro de Estudos Artepensamento. Foi Diretor do Centro de Estudos e Pesquisas da Funarte/Ministério da Cultura, jornalista e professor. Organizou – entre outros – os seguintes livros: Os sentidos da paixão, O olhar, O desejo, Ética, Tempo e História (Prêmio Jabuti), Artepensamento, A crise da razão, Libertinos/libertários, A outra margem do Ocidente, A crise do Estado-nação (Record), O avesso da liberdade, O homem máquina, Civilização e barbárie, Muito além do espetáculo. Adauto Novaes é realizador dos ciclos de debates da Artepensamento, os mais engajados de uma nova filosofia brasileira, democratizada e fora da academia, aberta ao grande público.

Andrea Lombardi

Docente de Literatura italiana na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Pós-Graduação da Universidade de São Paulo (USP), ocupa-se do tema do exílio, da nostalgia e das migrações, no seu reflexo na literatura. Ensaísta e articulista, defende uma luta para uma nova forma de leitura, uma ética da leitura. Preso em maio de 1968, foi líder estudantil na Itália (Roma) e na Alemanha (Marburg na der Lahn).

Massimo Di Felice
Sociólogo pela Universita degli Studi de Roma “La Sapienza”, especialista em Teoria e Analisi Qualitativa nella Ricerca Sociale pela Universita degli Studi La Sapienza e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. É Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, (ECA-USP), pesquisador e teórico sobre as novas mídias. Coordena o grupo de pesquisa Cepop Atopos – Centro de Pesquisa da Opinião Pública na Época Digital – que, entre outras atividades, organizou e realizou as duas edições do Seminário Mídias Nativas, com a participação de videomakers e produtores culturais indígenas da periferia (http://www.eca.usp.br/atopos/midiasnativas ).
É autor de diversos livros. Atualmente pesquisa as novas formas do habitar.

Yakuy Tupinambá
Militante do Movimento Indígena Tupinambá e membro da liderança do cacicado da aldeia Tupinambá de Olivença (Ilhéus/Bahia). Autora de vários textos, publicados, entre outros, nas coletâneas Índios na visão dos índios, na rede indiosonline (http://www.indiosonline.org.br/) e em Indiografie (Costa & Nolan/Itália). Técnica em economia doméstica, é atualmente estudante de Direito na Universidade Federal da Bahia – UFBA. Yakuy é uma defensora de um pensamento indígeno, que tem despertado grande interesse para a tradição ocidental, que que, paradoxalmente, representa a extrema continuidade ocidental, mais a ocidente do ocidente.

Um debate com muitas perspectivas

Para os organizadores, teremos que aproveitar os novos espaços de debate, pois um novo caminho pode emergir do Profundo Ocidente. Ou seja, uma nova postura ética e uma visão de mundo alternativa podem ser escutadas nas falas dos povos nativos, algo mais perto de nós e algo mais denso e intrigante do que nos vem do Oriente, que às vezes lemos em manuais de auto-ajuda ou de filosofias baratas. Talvez, hoje, mais do que provocar um movimento, teremos que afinar e melhorar nossa escuta. Escuta do que há de novo nessa sociedade. Pois há muito de velho nessa nossa sociedade do Novo Mundo, mas há algo de novo também.
Substancialmente,1968 pode ser lembrado como um período de grande movimento, que afirmou a cultura da diversidade e do conflito. E hoje, na barbárie de um mundo intercomunicante, mas à procura das próprias raízes e de novos significados, o conflito pode ser ainda um objetivo capaz de afinar nossa leitura do mundo. Se então se dizia que a transformação do mundo era essencial, hoje podemos afirmar que sabemos que isto não é tão fácil como parecia, mas reler o mundo pode significar, como projeto mínimo e máximo, a releitura de nós mesmos, e, portanto, uma transformação.
Alguns pontos a serem pensados e discutidos no debate

1. Há duas visões (a européia e a “americana-brasileira” que dialogam nesse debate, ou melhor: três perspectivas, incluindo a dos índios (os povos nativos): uma visão do profundo Ocidente. Uma visão multilateral, multiétnica, a perda da centralidade.

2. A apropriação da tecnologia digital por indivíduos e coletivos da periferia e pelos povos nativos (por exemplo, através da Indiosonline, uma rede da internet criada por uma ONG alternativa, a Thydewa); os estudo e a congregação dessas experiências em eventos organizados pelo Cepop/Atopos, grupo de pesquisa da ECA-USP; a atuação de ONGs européias como a Zoe-Onlus, que vem dando voz aos representantes dos povos nativos, amplificando-a na Europa através de livros como o Indiografie, lançado na Itália em 2007.

3. Se o movimento de ´68 defendia uma nova postura, hoje o mundo necessita de uma nova ética. Os índios estão na internet e realizam vídeos: uma nova era já começou.

4. O movimento de 68 afirmava a necessidade de uma transformação do mundo. Hoje sabemos que transformar o mundo é difícil ou – talvez – nem é algo tão positivo! Talvez agora teremos que ler o mundo de forma diferente. No mínimo, nosso objetivo pode se tornar uma transformação da leitura do mundo e, portanto uma transformação de nós mesmos. O mínimo e … o máximo também: eles coincidem.

5. Não existe mais uma única verdade (desde o filósofo Nietzsche, incluindo a leitura do próprio filósofo italiano Gianni Vattimo). Mas pode haver hoje a percepção de um caminho diferente. Caminho em grego tem vínculos etimológico com a palavra metodein, ou seja: o que precisamos é um método diferente.

6. Como teremos três representantes italianos no debate, é importante considerar que a tradição da cultura italiana, que vai muito além da unificação recente do século XIX, lida desde sempre com a diversidade, o multilingüísmo e o multiculturalismo, como na cultura brasileira, e vê com muita simpatia a emergência de novos sujeitos sociais. Desde a Idade Média e a Renascença convivem na península italiana (bem antes da Unificação, realizada em 1860) povos e etnias e línguas diferentes (15 línguas, 24 famílias de dialetos). Esta tradição do debate, que valoriza o conflito como parte indispensável da prática democrática, é algo bem arraigado na tradição italiana, aberta desde sempre a espaços de debate e idéias novas. Eventos recentes, que parecem contradizer essa tradição, devem ser entendidos como entraves temporários, que o tempo se encarregará de superar.