Por Casé Angatu

(Indígena, Morador no Território Indígena Tupinambá de Olivença e Prof. Dr. da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC – Ilhéus/Bahia)

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O que segue no  texto e vídeo anexo (“linkado”) são algumas inquietações para ponderarmos sobre as relações entre a Luta Indígena e o Ensino. De nenhuma forma são conclusões absolutas e definitivas, mas questionamentos.

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Partimos do princípio que as relações entre Povos Indígenas e o conhecimento chamado de “formal” pode auxiliar no avanço da Luta dos Povos Originários, desde que assim pratiquemos. Até porque se queremos Doutores em Índios, mas também desejamos Índios Doutores.

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Para isto refletimos que não deveríamos esquecer que a Sabedoria Indígena é o fundamento por ser uma das bases das tradições e cultura originárias. Esta Sabedoria Indígena é Ancestral e está presente nos Anciões, Morubixaba, Pajés, Guerreiras, Guerreiros, Cunhatãs e Curumins. Presente mesmo nos encantamentos dos Encantados da natureza. Tal Sabedoria é transmitida cotidianamente desde que nascemos. Neste sentido já possuímos uma Educação Indígena e uma Sabedoria Originária.

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Acreditamos que a Educação Indígena antecede, sucede e deveria interagir a todo tempo com a Educação “formal” Escolar, incluindo a Universitária, tornando a mesma realmente diferenciada. Pensamos  a configuração da Educação Escolar/Universitária Indígena como também espaço de reconhecimento, valorização e fortalecimento étnico/identitário, no sentido da luta por direitos, demarcação e garantias dos Territórios Tradicionais. Eixos para pensarmos os conteúdos e práticas pedagógicas.

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Assim, teríamos uma Educação Escolar e Universitária Indígena cada vez mais próxima da perspectiva de ser reelaborada pelos Povos Originários, no sentido de fortalecer suas concepções e projetos socioculturais, abrindo caminhos para o acesso a outros conhecimentos universais, quando desejáveis. Caso contrário questionamos a validade de uma educação “formal”.

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Ou seja, a Educação Escolar e Universitária Indígena pode ser um espaço para reverter o processo de imposições e colonização. Reverter “físicas de poder”, lembrando de Foucault (“Microfísica de Poder”),  que servem ao etnocídio praticado desde os Aldeamentos Indígenas do século XVI e pelo estado brasileiro.  Lutar contra uma educação “formal” que, quase sempre, serviu de imposição de valores, submissão e no sentido de combater culturas e vivências diferenciadas pelos que estão no poder, como é o caso dos Povos Indígenas. Um educação que ao procurar “integrar” as populações originárias, ao mesmo tempo, objetivava submetê-las e tirar o direito às terras ancestrais.

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Lutamos por uma Educação que assuma formas distintas de pensar e se relacionar com o mundo. Um bom exemplo disto é o modo indígena de não pensar a terra/natureza como mercadoria e sim como ancestralidade e encantamentos. Não estamos dizendo aqui que é necessário abrir mão dos conteúdos “formais” na educação não indígena, mas interagí-los com a sabedoria indígena. Para isto precisaríamos educadores imbuídos e capacitados para este exercício de alteridade relativo a autonomia de cada Povo.

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Também pensamos que a ausência destas ponderações é um dos elementos que dificultam a implementação da Lei 11.645/2008 que tornou obrigatório o ensino de histórias e culturas indígenas no ensino fundamental e médio. Vale lembrar que esta lei não tornou obrigatório estes conteúdos nos cursos universitários de formação de professores. Não obstante, mesmo que fosse obrigatório de que forma seriam lecionados? Será que seriam consideradas a alteridade, diversidade e especificidade dos Povos Indígenas que vivem no Brasil? São ponderações que advém de inquietações.

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Importa refletir que estes pensamentos tem fundamentos na nossa Sabedoria Ancestral Indígena – passada, presente e futura. Na Sabedoria vivenciada nas relações com os Parentes onde moramos (Território Tupinambá de Olivença – Ilhéus/Bahia) e com nossos pais (Sy Cida e Tym Arthur) e com nossos Ancestrais que não tiveram a educação “formal”, mas possuíam muita Sabedoria.

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Lembro aqui também das fundamentais e inspiradoras ponderações de Paulo Freire ao lutar por uma Escola que ajudasse na formação de cidadãos. Em nosso caso queremos uma Escola/Universidade que auxiliem na formação de Gwarinis Atãs críticos, caso contrário, novamente salientamos, questionamos mesmo sua validade. Até porque:

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… a Educação não Escolar Indígena já forma Gwarinis Atãs que lutam por seus Territórios e Direitos, defendendo a Natureza e a Vida …

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Por isto, mesmo nos relacionando com o Ensino chamado de “formal”, sendo doutores ou não … reafirmamos: a Sabedoria Indígena, presente na Educação Indígena, deveria ser o fundamento da Educação Escolar/Universitária “formal” quando tratamos dos Povos Originários.

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“Posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou!”

(UNIND – União das Nações Indígenas – Brasília, Abril de 1981.)

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“Todo Índio tem ciência
Todo Índio tem ciência
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Oh Tupã porque será?
Oh Tupã porque será?
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Tem a ciência divina
Tem a ciência divina
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No tronco do Jurema
No tronco do Jurema”
(Canção Tupinambá)

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AWERÊ … SABEDORIA ANCESTRAL !

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SOBRE O VÍDEO

No dia 13/04/2015 o autor deste texto (Casé Angatu) foi entrevistado pela TV-PUC/Goiás durante a abertura da Semana dos Povos Indígenas da PUC/Goiás & Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia, intitulada “Histórias, Culturas e Saberes Indígenas da Educação” – de 13 a 17 de abril de 2015, em Goiânia. Na ocasião ocorreu a apresentação do musical e culturalmente qualificado grupo “Sons do Serrado” que realiza um importante trabalho de apresentação da cultura popular e de raiz ( https://www.youtube.com/watch?v=Y2FfaSQ5QSQ ). Aconteceu também o lançamento de dois ótimos livros sobre a temática indígena e o encontro entre Parentes de diferentes Povos Indígenas.

Realizei a Conferência de Abertura (“Histórias, Culturas e Saberes Indígenas na Educação”), participei com os Parentes Krahos da “Roda de Conversa sobre o Ensino das Culturas e Histórias Indígenas na Formação dos Professores” e da “Mesa Redonda – Universidade e a Formação de Professores para a Implementação da Lei 11.645/2008”.

A entrevista linkada resume um pouco dos temas tratados. Agradecimento pela convite e a forma respeitosa e gentil pela qual fui recebido por todas e todos. Agradecimento esepcial para Veronica Aldé.

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Sobre Casé Angatu: Indígena; Morador do Território Indígena Tupinambá de Olivença; Prof. da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC – Ilhéus/Bahia; Doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP – FAU/USP; Mestre em História pela PUC-SP; Historiador pela UNESP; Autor dos livros, entre outros: “Nem Tudo Era Italiano – São Paulo e Pobreza na Virada do Século XIX/XX” e “Identidade urbana e globalização: a formação dos múltiplos territórios em Guarulhos”; Autor dos Capítulos em conjunto com Katu Tupinambá: “Marcelino Vive em Nós. In: Índios na Visão dos Índios” e “Mãe Terra Olivença – Território de Nossa Ancestralidade. In: Índios na Visão dos Índios”.

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PUC Acontece – Semana dos povos indígenas da PUC Goiás 14 04 15

 

https://www.youtube.com/watch?v=WHymmdNWNuY