Há menos de quarenta dias, daqui a duas luas cheias, Recife e Olinda (PE) vão sediar o maior evento esportivo cultural indígena de que se tem notícia. O pontapé inicial foi dado na última quinta-feira (11), na sede do governo pernambucano, em Recife, com o lançamento do IX Jogos dos Povos Indígenas, pela secretária Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de Lazer, Rejane Penna Rodrigues.

“A exemplo do que aconteceu no Parapan queremos quebrar preconceitos e promover o convívio com as diferenças. Mais do que a realização dos jogos em si, o Ministério do Esporte tem como meta a construção de uma política de esporte e de lazer para os povos indígenas, que contemple seus interesses e suas necessidades”, afirmou Rejane Penna. Ainda de acordo com a secretária nacional, para a viabilização deste grande encontro dos indígenas será feito um repasse de R$ 1,1 milhão, pelo Ministério do Esporte, com uma contrapartida do Governo do Estado de Pernambuco de R$ 400 mil reais, além do apoio dos demais parceiros.

Os jogos indígenas são uma realização do Ministério do Esporte e do Comitê Intertribal de Memórias e Ciência Indígena, em parceria com o Governo do Estado de Pernambuco, Prefeitura de Recife e Prefeitura de Olinda. Neste ano, o governo federal vem com força total investindo na institucionalização. Os jogos passam a contar com a participação efetiva de quatro ministérios: da Justiça, da Educação, da Cultura e da Saúde, além da Funasa e da Funai.

Será um resgate histórico e de promoção da igualdade racial. A edição de 2007 acontece de 24 de novembro a 1º de dezembro com a participação de 40 etnias totalizando mil indígenas reunidos, no local onde o Brasil e os povos indígenas pernambucanos foram vítimas há 500 anos da colonização portuguesa. O Recife possui hoje a quarta maior população indígena do país – 10 etnias.

“Por terem sido os primeiros a sentirem o impacto da colonização, os indígenas do Recife são tidos como povos invisíveis. Eles perderam suas características e a língua mãe, porém o sangue indígena ainda corre na veia”, defende Paulo Tupiniquim, coordenador político da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – Apoíme.

Presente na cerimônia de lançamento, o secretário de Esporte do Governo pernambucano, Nelson Pereira, declarou que os jogos indígenas revelam a capacidade que se tem de unir o esporte com os mais diversos temas. Para o secretário, o evento vai ser uma forma de mostrar para o mundo os indígenas de Pernambuco e de promover junto a eles o interesse de encontrar com outros povos, longe do poder mercantilista de exploração da cultura indígena exótica.

“As tribos participantes dos jogos terão ainda oportunidade de interagir, conhecendo a tradição nordestina e aprendendo como se dança o forró”, antecipou Nelson Pereira. Essas atividades acontecerão no Ginásio Geraldão, em Recife. Ali funcionará uma oca gigante para alojar as nações participantes dos jogos. Já na arena dos jogos, em Olinda, estão programadas diversas atividades paralelas como exposições de fotografias, feiras de artesanato, entre outros.

Esporte, espiritualidade e cultura compõem a especificidade dos jogos que se propõem a conscientizar a sociedade sobre quem é o indígena do século XXI, e valoriza o ecossistema, com o tema “Água e vida é direito sagrado que não se vende”, com direito a debates no Fórum Social Indígena e pesquisas para qualificar os jogos e a política pública de esporte e lazer para os povos indígenas.

Américo Córdoba, representante do Ministério da Cultura, disse que essa é a primeira vez que a pasta se une a esse esforço do Ministério do Esporte lançando, inclusive, o Prêmio Nacional de Cultura Indígena. O líder Francisco de Assis Araújo, o Chicão Xukurú, será o primeiro homenageado. “Integrante do movimento indígena nacional assassinado a tiros em 1998, Chicão Xukurú iniciou nos anos 80 um trabalho de reorganização política do povo Xukurú, em defesa da demarcação das terras. O líder indígena também acompanhou ativamente os trabalhos da Constituinte, entre 1987 e 1988.

Personagens da luta
A prefeita de Olinda, Luciana Santos, disse que sediar os jogos é uma alegria muito grande e um marco muito importante para o estado. ‘Pernambuco é marcado por lutas libertárias, entre elas, a luta dos povos indígenas. Nesse mundo marcado pela tentativa de hegemonia precisamos dar respeito à diversidade”, lembrou ao citar como exemplo de liderança, o índio Antônio Felipe Camarão.

Felipe Camarão nasceu na região que é hoje o Rio Grande do Norte. Índio batizado e casado com Clara Camarão, que, conforme o costume indígena, acompanhava o marido nos combates. Participou da luta pela expulsão dos holandeses de Pernambuco (1637). Por suas lutas contra os holandeses, o rei Filipe III de Portugal e Espanha, concedeu a Filipe Camarão brasão de armas, tendo a função de governador e capitão-mor de todos os índios da costa do Brasil, desde o rio São Francisco e até o Maranhão.

Oportunidade única
Para Jamerson Almeida, representante do prefeito João Paulo, de Recife, os jogos significam contestar desigualdades e contribuir para a evolução dos povos. “Principalmente as etnias de Pernambuco cuja população de tribos inteiras era tratada como escrava fazendo com que os índios daqui fossem vitimas da dizimação física e cultural”, lembrou. Para ele essa será uma grande oportunidade de permitir que as etnias locais sejam mais participativas e resgatem suas origens.

“Os povos indígenas chegando para dentro do Palácio – do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco – e participando da agenda governamental são mostras da evolução e da promoção da igualdade racial”, ressaltou Pedro Mortale, diretor da Funai, ao assegurar que os jogos indígenas serão um grande momento de resgate.

Ritual espírita
Mesmo com abertura oficial programada para 24 de novembro (sábado), na arena dos jogos instalada na praia do Bairro Novo, em Olinda, os jogos seguirão ritual indígena, que acontece no dia anterior, seis horas antes do sol se por. De acordo com Marcos Terena, presidente do Comitê Intertribal de Memórias e Ciência Indígena, representantes de duas etnias participarão da cerimônia espiritual, que incluiu ações que vão desde a criação do fogo ancestral ao acendimento da tocha dos jogos.

Carla Belizária
Na imagem: Cartaz de divulgação dos IX Jogos Nacionais dos Povos Indígenas
Ascom – Ministério do Esporte