Os índios de Olivença encantam por sua vontade de sobreviver.

A gente gosta de relatar a história para que as coisas não sejam perdidas e para que, a partir de agora, a gente possa construir uma realidade mais favorável para nosso povo Tupinambá.

Olivença era uma grande aldeia. Era um bom lugar para morar, os índios circulavam resistindo à escravização de uma nova concepção de vida, mas sempre voltavam pára Olivença.

Por volta de 1560 teve a Batalha dos Nadadores, uma disputa entre os não-índios e os índios, onde foi quase dizimada a população indígena, principalmente os homens guerreiros. Foi uma batalha contra o Mem de Sá, que era o governador intendente da Bahia, que rodeou os índios e até perseguiu em embarcações aqueles que tentaram fugir nadando. Diz a história que os corpos dos índios mortos davam, enfileirados na praia, 1 léguas, mais ou menos de 6 a 7 kilometros, um dos maiores massacres indígenas da história da região.

Logo depois é criado o aldeamento jesuítico,começando com a catequização.

Muitos índios passam a buscar as matas para não cair na escravização do aldeamento jesuítico que aglutina também índios Tupiniquim, Camacã, Botocudo… índios capturados desde Ilhéus até Canavieiras. Os jesuítas forçam também a mudança da cultura dos índios escravizados. Trazem santos, acabando com as tradições dos índios, botando eles para morar em famílias “tradicionais” e não mais em comunidades, cada um passa a ter sua casa, todas enfileiradas ao redor da igreja central, com as portas para a frente para que o sacerdote possa observar quem é que entra na casa de quem. Muitos índios continuam a fugir para as matas. Os jesuítas sempre visavam os índios como mão-de-obra escrava para gerar riquezas, começando o desmatamento constante.

A partir de 1800, transformaram Olivença em vila, com status de município, com câmara de vereadores quase exclusivamente composta por brancos.

A Guerra do Paraguai alistou um bocado de índios com promessas de riquezas, mas nem armas deram e então poucos voltaram, porque eles eram do primeiro pelotão, a flecha, que era pÂ’ra morrer mesmo. Depois foi a Guarda Nacional, onde iludiam índios com título de capitão fazendo uns índios brigar contra outros com promessas de dinheiro e prestígio. Igual a hoje, jogando os pequenos contra os pequenos, os sem-terra contra os índios. Aqui nós temos o acordo depois de Guerra contra o Paraguai (1865), onde o Rei assina a demarcação.

Eu falo para os parentes: Não se envergonhem por não ter a língua esse não saber a língua foi um movimento de resistência. Tem que entender que tinham as armas de fogo contra o arco e flecha, a malícia por sobre a bondade, nós hoje estamos juntando casquinhos para re-construir a história, a concepção do modo de vida dos não-índios, a intolerância deles que querem que continuemos como marginais.

Já em 1922 aparece a figura do caboclo MARCELINO, marcando a história da luta pelos direitos dos índios de Olivença, ele usa aquilo que aprendeu com os brancos em favor da comunidade Tupinambá, em favor dos parentes, começa a articular um movimento contrário aos interesses do município, incomodando os grandes coronéis de Ilhéus que tinham suas casa de veraneio em Olivença e decidem persegui-lo.

Então vem a batalha que os índios fazem para que não construam a ponte do rio Cururupi, que facilitaria a chegada de mais brancos a Olivença, onde outra vez os índios são massacrados. Muitos Tupinambás fogem, alguns para Pataxó, outros pelas matas a dentro.

Marcelino foi criado no Cururupi em uma fazenda de umas pessoas que tinham uma visão diferente, a família Pinto, que ainda se apossando das terras indígenas deram uma possibilidade a Marcelino de estudar a língua portuguesa, e ele conseguiu também preservar muito bem a língua Tupi-Guarani. Ele começa a buscar o diálogo para reivindicar os direitos dos índios. Ele debatia as idéias na cidade tanto como organizava os índios das matas. Marcelino desmascara que os brancos forjavam os documentos, e cada vez que ele atacava Olivença ele fazia questão de queimar os documentos e sempre dizia: “Vamos acabar com essas cercas!” Sempre buscando organizar o povo e defender seus direitos.

Ele sempre explicava que o índio nunca pensou em acúmulo de bens, de riquezas.

Para o índio, o bem maior que ele tem é aquilo que ele pode dizer que é dele, ele não concebe alguém ser dono de um rio, ser dono das matas, alguém ser dono de montanhas, o índio entende assim: eu cuido de um cachorro, eu cuido de minha oca e tenho minha liberdade. Liberdade era o bem mais importante que o índio tinha.

Eles prenderam Marcelino várias vezes até que, em 1938, apagaram ele da região.

Sempre se diz que o índio é indolente, preguiçoso, cachaceiro, que está contra o progresso, mas os índios são solidários, libertários, sempre buscando a igualdade.

As mulheres índias eram obrigadas a vestir vestido, a amarrar o cabelo, eu era todos os dias chamado de indinho, de preguiçoso, de pescador… Tinha uma época que para entrar aqui em Olivença havia uns casacos pendurados na entrada que os índios tinham que vestir para entrar, deixando seu facão.

Nós não tivemos descanso, são 500 anos de confronto, e sempre preservando, re-construindo.

Muito de nossos parentes não falam da história porque foram muito humilhados, hoje estão com a identidade bloqueada. Os índios daqui sempre foram muito reprimidos, perseguidos. Nos cercaram ideológicamente, sempre nos dizendo que não somos índios, que não temos direitos, que somos selvagens, brutais, que queremos que o país regrida. Mas o mundo dominante sempre nos explora, mesmo nas formas mais sutis, e Marcelino já entendia tudo isso.

Os índios de Olivença encantam por sua vontade de sobreviver. Hoje, depois de 502 anos, recebemos nosso reconhecimento oficial como índios que somos, depois de resistir a todas essas políticas de expropriação de nossas terras, sobrevivemos hoje como trabalhadores rurais em regime de escravidão, sem nenhum direito social, sem férias, sem carteira assinada, até sem documentos de identidade, trabalhando na diária a cinco reais, onde um dia de doença é descontado… Alguns índios não
se assumem como índios, mas não por uma questão de covardia, e sim, de sobrevivência.

Cláudio Magalhães