ÍNDIO CABOCLO MARCELINO VIVE EM NÓS ! 

APÓS MAIS DE 8 DÉCADAS, NOSSO GWARINI ATÃ (GUERREIRO FORTE) VOLTARÁ A POVOAR AS RUAS DE ILHÉUS NA LUTA PELA LIBERDADE E DIREITO ÀS TERRAS DO POVO TUPINAMBÁ DE OLIVENÇA !

“Não temos rancor,

Mas possuímos memória

E em nome de nossos Ancestrais

Lutamos pelo Direito Originário e Congênito

Ao Território Sagrado

Somos Todas/Todos Marcelinos

Aiêntên ” (Casé Angatu)

 

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DATA: 20/04/2018 – HORÁRIO: das 17:00 às 20:00 – LOCAL: Teatro Popular de Ilhéus – Avenida Soares Lopes, 704 – Ilhéus/Bahia

ORGANIZAÇÃO: Defensoria Pública do Estado da Bahia, através da Série Júri Simulado – Releitura do Direito na História – ACUSAÇÃO: Defensora Pública Aline Brito Muller (Itabuna) – DEFESA: Defensora Pública Julia Almeida Baranski (Ilhéus) – JUIZ: Defensor Público Leonardo Salles – JÚRI POPULAR: composto por pessoas da plateia – INTERPRETAÇÃO/MARCELINO: Ator Pedro Albuquerque do Teatro Popular de Ilhéus

RODA DE CONVERSA COM: Cacique Jamopoty – Maria Valdelice Amaral de Jesus; Casé Angatu Xukuru Tupinambá; Katu Tupinambá (Índios Moradores do Território Indígena Tupinambá de Olivença)

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 PORQUE COMO INDÍGENAS PARTICIPAREMOS DO JÚRI SIMULADO DO ÍNDIO CABOCLO MARCELINO, MESMO SABENDO QUE “A LEI TARDANDO” JÁ ESTÁ FALHANDO, NUMA JUSTIÇA QUE DESCRIMINA ETNICAMENTE E É CLASSISTA?

(Por Casé Angatu)

Aceitamos participar porque esta é uma forma também de colocarmos em questionamento as leias, justiça e o estado brasileiro que continua a nos criminalizar e não Demarcar nosso Território, conforme texto abaixo que escrevemos sobre Marcelino.

Nossa participação é para demonstrar o quanto historicamente os Povos Indígenas, bem como o Povo Negro e o Povo Pobre, são injustiçados pelas leis, justiça, estado e por aqueles que estão à sua frente.

O estado, a justiça e as leis brasileiras, na nossa compreensão, possuem caráter racial e classista. Muitos de nossas/nossos foram e estão pressos. LIBERDADE À NOSSAS PRESAS E PRESOS ! BASTA DE CRIMINALIZAR OS POVOS INDÍGENAS, POVO NEGRO E POVO POBRE !

Nos falam: “a lei tarda, mas não falha”. Respondemos então: “a lei tardando já está falhando e ela, quase sempre, nos falha e tarda”.

Este é o caso de Marcelino que Vive em Nós. Este é o caso dos Povos Originários cuja “falha e o tardar” da justiça e do estado nos parece proposital, durando mais de 500 anos.

Participaremos também para fortalecer Aliados à nossa Luta como é o caso das/dos Defensoras/Defensores e todas/todos que atuam na Defensoria e propuseram esta ação. Aiêntên à Defensoras/Defensores e todas/todos que atuam na Defensoria!

Mas, acima de tudo, como indígenas sabemos que nossa justiça e leis advém das forças Encantadas que nos habitam e à Natureza Sagrada. Advém de nossos Ancestrais o Direito Originário, Natural e Congênito ao Território. Um direito que precede ao direito à propriedade privada porque somos à própria terra.

Assim, nos ensinou Marcelino e tantos outros Awas e Kuñas Gwarinis Atãs e por estes ensinamentos pagaram um alto preço. Por isto: MARCELINO VIVE EM NÓS … ASSIM COMO VIVEM TODAS E TODOS NOS ANCESTRAIS …

AIÊNTÊN !!!

OBS: depois leia um texto nosso aqui neste espaço onde aprofundamos nossa posição em relação às leis, justiça e estado brasileiro: “Não à intervenção militar no Rio de Janeiro ! Pelo menos é a forma que pensamos como nós Índios deveríamos nos posicionar …” – https://indiosonline.net/nao-a-intervencao-militar-no-rio-de-janeiro/

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SOBRE SÉRIE JÚRI SIMULADO – RELEITURA DO DIREITO NA HISTÓRIA

O projeto foi idealizado pelos defensores públicos Rafson Ximenes (subdefensor público geral) e Raul Palmeira, e pela defensora pública Eva Rodrigues (subcoordenadora da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos da DPE/BA). Na sua primeira edição, realizada em novembro de 2016, Luíza Mahin foi absolvida das acusações de conspiração contra a Coroa Portuguesa, em 1835. Em novembro de 2017, foi a vez de Zumbi dos Palmares ser absolvido pelo Júri Simulado.

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SOMOS TODAS/TODOS MARCELINOS: UM POUCO DAS MUITAS HISTÓRIAS

Por: Texto de Casé Angatu Xukuru Tupinambá & Katu Tupinambá

No dia 06 de novembro de 1936, o jornal Estado da Bahia, comemorando a prisão de Marcellino José Alves (Caboclo Marcelino – Índio de Olivença/Ilhéus/Bahia), dizia em sua manchete: “Era uma vez o Caboclo Marcellino”. Junto com ele também foram presos, conforme a foto a seguir tirada na cadeia de Itabuna e da esquerda para direita: Caboclinho (17 anos), Marcionilio, Marcellino, Pedro Pinto e Marcos Leite – veja foto anexa.

Porém, ouvindo as falas dos anciões de Olivença percebe-se que a manchete daquele jornal errou em sua afirmação: Marcelino continua vivo até hoje nas memorias de vários moradores do território indígena Tupinambá. A figura de Marcelino serve como um dos símbolos da luta daquele povo indígena por suas terras. Uma memória guardada pelos antepassados e que grande parte da população de Ilhéus e sociedade brasileira não tem conhecimento.

De um lado, setores da imprensa e as elites cacaueiras local sempre apresentavam Marcelino como assassino, bandido e comunista. Aqueles que andavam com ele eram acusados de bando de criminosos. Segundo o Processo nº 356 do Tribunal Nacional de Segurança de 1936, julgando Marcelino, ele era “um malandro explorador da ingenuidade dos pacatos e genuínos descendentes de caboclos que vivem na zona de Olivença” (Auto de perguntas feitas a Marcellino Alves. Rio de Janeiro, 1936, Arquivo Nacional).

Algo que na atualidade não mudou tanto. Após a publicação no Diário Oficial da União do “Relatório Circunstanciado de Delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença”, em 20 de abril de 2009, aumentou a situação de difamação, perseguição e repressão sobre os índios. Em 2010 foram presos o Cacique Babau e seus irmãos Índio Givaldo e Índia Glicélia. Em fevereiro de 2011 foi a vez da Cacique Maria Valdelice (Jamopoty). Em abril de 2011 foram presos: Cacique Gildo, Índio Mascarrado, Índio Del, Índio Maurício, Índio Nil. O Índio Del perdeu mesmo a perna após um tiro quando de sua prisão.

Ainda são constantes ações de reintegração de posse. Em agosto de 2012 Índios foram agredidos no Aeroporto de Ilhéus chamados de vagabundos. Acontecimentos semelhantes ocorreram em relação aos Pataxó Hã Hã Hãe e outros povos da região.

Parece mesmo que a situação não muda quando envolve os direitos indígenas. Pensamos que o conjunto destas ações reflete um quadro de arbitrariedade, intolerância, racismo e criminalização que sofrem os Tupinambá de Olivença. Acusam os Caciques, Lideranças e os Tupinambá de “crimes” como: “Esbulho Possessório; Formação de Quadrilha ou Bando; Exercício arbitrário das próprias razões; Furto; Sequestro”. Ainda é assim que os povos originários, ao lutarem por seus direitos, são tratados:

“Hoje ser um líder de um Povo é ser criminoso. Retomar nosso Território Tradicional visto o Estado não cumprir com seu compromisso virou esbulho possessório, agir coletivamente (marco tradicional de todos os povos indígenas) virou formação de quadrilha e lutar por nossos direitos negados pelo Estado Brasileiro virou exercício arbitrário das próprias razões … somos um povo, um povo guerreiro… temos nossa tradição e nossa forma diferenciada de ser e agir e queremos ser respeitados como tais” (http://www.indiosonline.org.br/novo/cacique-maria-valdelice-presa-injustamente/comment-page-1/#comment-15881).

Entretanto, para os anciões indígenas de Olivença, a história de Marcelino foi e é bem diferente. Contando os acontecimentos da época quando foi preso, os mais antigos narram que ele foi detido por causa da sua luta contra a invasão de Olivença por pessoas que tomavam as terras indígenas. No mesmo Processo nº 356 do Tribunal Nacional de Segurança de 1936 podemos ler que o objetivo dele era: “botar pra fora de Olivença os grandes de lá que lhes tinha tomado as suas terras e haveres (…) os quais, sem ser por intermédio de engenheiro, iam por conta própria invadindo as terras dos caboclos, tomando-as e botando-os para fora, perseguindo-os e escurraçando-os”.

Narram os anciões que entre as décadas de 1920 e 1930 houve um grande processo de “massacre frio em nossas terras”. Algo histórico quando nos referimos aos povos originários de Olivença. Aqui vale lembrar o massacre ocorrido no Rio Cururupe, comandado pelo governador geral da Bahia Mem de Sá, em 1559, que após as mortes estirou pela praia cerca de uma légua de corpos de Índios mortos. Este episódio ficou conhecido como “Batalha dos Nadadores”.

Segundo os anciões, a “Revolta de Marcelino”, nome dado ao que ocorreu, foi porque ele não queria que fosse construída a ponte sobre o Rio Cururupe. Os mais velhos contam que Marcelino era um grande líder Tupinambá, lutando para a não construção da ponte porque não queria que os Índios de Olivença tivessem contato com os brancos e que ocorressem mais invasões em terras indígenas. Aliás, ele mesmo possuiu suas terras e de seus parentes, invadidas.

Para percebermos como a fala dos anciões relacionam-se com a figura de Marcelino, O jornal Diário da Tarde, noticiou que “nas capitanias do estado e da república, consta que [Marcelino] andou pelos ministérios e secretarias, tratando muito a sério da defesa dos aborígines […] clamando proteção para os donos verdadeiros da terra e mata virgens”.

Novamente como dizem os anciões, a partir daí ele passou a ser muito perseguido pelos políticos e os coronéis de Ilhéus. Os anciões explicam que Marcelino era um “Índio bom, que ajudava a todos os parentes, mas mesmo assim era considerado um lampião, um criminoso já que ele passou a incomodar, organizando o movimento indígena e reivindicando os direitos”.

Os mais velhos contam ainda que Marcelino era único Índio que sabia ler e escrever e isso incomodava os poderosos da época. A luta de Marcelino era a necessidade de recuperar as terras perdidas e de expulsarem os novos ocupantes da antiga aldeia de Olivença. Por causa de sua luta passou a ser procurado pela policia que maltratava e torturava os parentes para “darem conta de Marcelino”. Os mais antigos falam assim sobre o que acontecia:

“Os policiais chegavam arrombando as portas, queimando suas okas e matando seus animais. Arrancavam as unhas, cortavam a língua, as orelhas…judiavam de todo jeito para dar conta de Marcelino. Muitos parentes tiveram que fugir para as matas para não morrerem”.

Uns dos Índios que a polícia pegou foi Duca Liberato. Pedindo pra ele dar conta de Marcelino, calado ele ficou. Então a polícia lhe arrancou as unhas, as orelhas e disse que da próxima vez o mataria se ajudasse Marcelino.

Enquanto isso Marcelino fugia mata a dentro, comendo farinha seca e peixe. Os parentes ficavam preocupados sem saber seu paradeiro.

Marcelino se escondia na Serra das Trempes numa toca. Ali muito machucado e sem ter o que comer foi quando a polícia descobriu o seu paradeiro. Então armaram uma cilada e um dos tiros acertou a perna de um dos tenentes. A polícia então recuou. Mas Marcelino vendo o sofrimento dos parentes que eram maltratados e torturados pelos policias para que desse conta dele, então acabou se entregando. Passou um tempo preso e depois conseguiu fugir e se esconder de novo na Serra das Trempes.

Depois disso soube-se que o pegaram e deram o sumiço nele. Até hoje ninguém sabe seu paradeiro e o que fizeram com ele.

A luta de Marcelino, como narram os anciões, é hoje exemplo para os Tupinambá de Olivença: é a luta pela terra. Por isto falamos que SOMOS TODOS MARCELINOS.

NOSSAS HOMENAGENS ÀS PALAVRAS DOS ANCIÕES QUE CONTRIBUIRAM COM O QUE NARRAMOS AQUI:

DONA NIVALDA,

DONA ANGELINA,

DONA LOURDES,

DONA GENILDA,

DONA MATILDE,

DONA DOMINGAS,

DONA DINETE,

DONA DELFINA,

DONA ALICE,

DONAS ROSÁRIA,

SEU ALICIO,

SEU PEDRO BRAZ,

SEU ROSALVO,

SEU CÂNDIDO,

DOMINGÃO

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Somos contra a propriedade privada, incluindo a propriedade intelectual, mas como reconhecimento de nosso trabalho para obter uma cópia deste texto e fazer citações acesse: “Índios na visão dos índios: Memória”. Olivença/Ilhéus: Thydêwá, 2012:   http://www.thydewa.org/wp-content/uploads/2012/07/memoria.pdf

Acesse também: Seminário Índio Caboclo Marcelino: http://seminariocaboclomarcelino.blogspot.com.br/p/caboclo-marcelino.html

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“Vamos todos nesta marcha

Pra lembrar do que passou

Nossos antepassados

Que Cabral matou”

 

 

 

Na Foto: Caboclinho, Marcionillo,

Marcelino, Pedro Pinto e Marcos Leite

Fonte: Jornal estado da Bahia,

06 de Novembro de 1936.

Pesquisa: Casé Angatu

MARCELINO VIVE EM NÓS !

LIBERDADE À NOSSAS PRESAS E PRESOS !

FIM DA CRIMINALIZAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS, DO POVO NEGRO E POVO POBRE !

DEMARCAÇÃO JÁ!

AUTONOMIA E ALTERIDADE AOS POVOS INDÍGENAS!

AIÊNTÊN !!!

AWERÊ !!!

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Link do Júri Simulado: https://www.facebook.com/events/630268610648816/