O tipo de informação que circula entre nós índios, nos leva a supor algumas coisas que não são inteiramente verdadeiras. A primeira delas é que toda a responsabilidade por se evitar uma gravidez indesejada deve ser da mulher. A segunda é que os índios (e muitas de nós índias também) pensam que o preservativo diminui o prazer sexual. A terceira é que a mulher tende a “se refazer” (engordar, aumentar o tamanho dos seios e dos quadris) em virtude de ter se casado.

Somado a isto, nós índios tendemos a subestimar o problema das doenças sexualmente transmissíveis, e estamos nos envolvendo com não índios. Alem do mais, o padrão estético da televisão está nos levando a nos exigir um corpo com formas muito distantes de nossas possibilidades.
Em virtude de tudo isso, algumas de nós índias, acabam por engravidar sem planejamento, e de homens que não chegam a escolher como marido. Também estamos nos expondo a um grave risco de saúde, pois apesar de algumas de nos tomar anticoncepcional, estes remédios evitam gravidez, mas não doenças como a AIDS.
Prevenir uma gravidez indesejada não deve ser obrigação só de nós mulheres. O preservativo não diminui o prazer sexual tanto assim e é importante para não contrairmos doenças. Muitas de nós estão engordando depois do casamento pois estamos tomando remédio para evitar ficar grávidas e engordar é um dos efeitos destes medicamentos. E nos mulheres, mesmo quando tomamos anticoncepcional, não recebemos informações adequadas para utilizar estes medicamentos.
Temos que cobrar uma mudança no modo como nos tratam em questão de planejamento familiar e saúde sexual. A FUNASA é administrada segundo a política governamental que entende historicamente a nós índios como incapazes de gerir nossas próprias vidas. Em conseqüência desta visão política em relação a nós índios, não nos é dado o direito de escolher que métodos de controle de natalidade nos são mais apropriados. A questão é que já absorvemos muita coisa da cultura civilizada, e os seus métodos de controle de natalidade, se bem empregados, podem ajudar a nós mulheres indígenas a nos libertar da trajetória pessoal de gerar mais filhos do que desejamos. Não somos incapazes, não nos pode ser retirado o direito de escolher o que fazer com nossos próprios corpos. Se uma mulher civilizada tem o direito de fazer suas escolhas para evitar filhos que comprometam sua liberdade individual, nós índias também queremos ter assegurado esse direito. Se a questão está em nosso crescimento populacional, devemos ser educadas para não nos esterilizar de uma forma inconseqüente. O que não deve acontecer é sermos empurradas para parir um monte de filhos, sem que tenhamos ao menos recursos para cria-los.
Parece-me que os políticos se esqueceram que nossas terras tradicionais nos foram roubadas. Não temos terras sequer para nossa população de agora, muito menos ainda para uma população crescente. Uma política de crescimento populacional indígena deve começar pela devolução de nossas terras, o que já estamos cobrando faz muito tempo. Enfim a FUNASA não distribuir anticoncepcionais e camisinha, é uma postura ridícula, para não dizer hipócrita. Todos que trabalham com saúde indígena sabem que quando não queremos a gravidez, a maioria de nós simplesmente aborta. A falta de educação e apoio do governo só nos faz arriscar nossas vidas.
Com relação a anticoncepcionais, a FUNASA só nos obriga a gastar o nosso dinheiro que nos falta para a comida, em farmácias comprando remédios sem prescrição médica. Quando nos dirigimos aos postos de distribuição de camisinha, nos dizem que para indígenas não é permitido. Que querem afinal? Que aumentemos nossa população, ou morramos de uma epidemia de AIDS? Hipocrisia aparte, não vai ser por falta de camisinha que nós índios vamos deixar de ter relação sexual com a população não índia. Más a população mundial está sofrendo com uma série de doenças que podem ser transmitidas pelo ato sexual, é bom que pensemos nisto. Quando os civilizados se aproximam de nós nos expõem a todas as doenças que acompanham sua população, assim, precisamos dos mesmos recursos de defesa que os civilizados também precisam.
Outro resultado do uso inadequado de anticoncepcionais é que nós índias estamos tendo obesidade, pressão alta entre mulheres jovens, celulite etc. Associado a isso, algumas de nos estão tomando remédios para emagrecer buscando um corpo que não e possível a nossa realidade Esses remédios poderiam facilmente ser substituídos por uma alimentação adequada. E essa alimentação pode muito bem ser, simplesmente, a nossa alimentação tradicional. Mas infelizmente estamos substituindo nossos alimentos tradicionais por alimentos industrializados. Nossas comidas tradicionais são naturais e muito saudáveis. Temos que resgatar nossa cultura não só nas questões de rituais, pinturas, cantos, danças, mas também nos nossos hábitos de alimentação.
Nos estamos precisando modificar as idéias que estão nos levando a um comportamento que nos é nocivo. Temos que nos educar sexualmente. O melhor é não tomar remédios, e fazer sexo sem camisinha só quando estivermos casadas. Se formos fazer sexo sem camisinha no período fértil tem que ser com o objetivo de ter filhos. Se optarmos por usar anticoncepcional este deve ser prescrito por médicos, e mesmo assim devemos usar a camisinha.
Não devemos buscar um corpo que não tem a ver com nossa etnia, isso só vai nos levar a sofrimento emocional e a recorrer a métodos que agridem a nossa saúde. Estamos precisando cobrar que seja realizado um trabalho de educação na área de saúde nos ensinando a lidar com as doenças que são transmitidas pelo sexo.Também precisamos cobrar que nos ensinem a evitar a gravidez e nos forneçam os meios certos para fazer o planejamento familiar. Mas também precisamos ter consciência de quem somos e nos valorizar não buscando nos exemplos da televisão o nosso modelo de beleza e conduta.

Olinda Muniz