Éramos várias Nações de etnias diferentes (estima-se mais de 1000). Habitávamos este território, hoje chamado de Brasil, onde cada povo tinha sua cultura e tradição. Éramos milhões de indivíduos povoando esta terra.

Então surgiram, no horizonte, embarcações cheias de figuras estranhas, jamais vistas pelos nossos antepassados: homens vestidos espalhafatosamente, com o corpo todo coberto — inadequados ao clima existente –, com uma fala esquisita, incompreensível aos ouvidos. Desembarcaram, e sem pedir licença pisaram em nossas terras (em nossos lares).

Nossos ancestrais não sabiam que, aquele exato momento, dava início ao declínio de uma raça! Estes invasores trouxeram paus-de-fogo, micróbios letais e uma cultura incabível a nossa realidade. Sendo assim, Nações inteiras foram dizimadas: milhares de pessoas mortas — o maior genocídio cometido em todos os tempos. – E como se não bastassem todas essas catástrofes, as nossas riquezas naturais foram roubadas, eram elas pedras preciosas, nossa fauna, e nossa flora. Os nossos invasores passaram a ser detentores de tudo que possuíamos. Ainda hoje, nos dias hodiernos, usufruem o que retiraram do nosso solo sagrado.

Essas pessoas, até então desconhecidas, queimaram as habitações, violavam os locais sagrados, destruíram as plantações, estupraram as mulheres e mataram todos aqueles que não se submeteram às suas ordens. Ceifaram a vida de todos que encontraram no caminho, dos mais velhos às crianças — de todas as idades. Foi um verdadeiro crime de guerra! Uma barbárie foi implantada pelos gananciosos, que violaram nosso direito originário. Soldados desses invasores recebiam soldos por retirarem a maior quantidade de testículos dos homens, das mais variadas Nações encontradas, e entregue aos seus superiores: estratégia brutal utilizada para pôr fim à história dos verdadeiros donos do território que foi invadido (regiões próximas ao litoral). Os mais resistentes fugiram floresta adentro, os capturados foram submetidos ao regime de escravidão e proibidos de exercerem a liberdade de expressão (cultura e tradição). Várias línguas se perderem ao longo do tempo, através dessas medidas proibitórias. Os que não puderam fugir tiveram seus hábitos modificados à força, foram submetidos a práticas alheias, tiveram de modificar os seus hábitos alimentares, a forma com a qual se vestiam, a linguagem e as crenças; sendo, desta maneira, imposta à miscigenação.

Fazia parte da cultura dos invasores, os chamados por nós “homens brancos”, a escrita e instrumentos poderosos capazes de fazer tombar vários corpos sem vida ao chão. Essa condição proporcionou-lhes vantagens para que se tornassem vitoriosos. — Alguns dos nossos, chegaram a acreditar que tais brancos fossem deuses enviados para levá-los a um lugar melhor para se viver. Em contrapartida, éramos vistos como seres humanos selvagens, como animais encarnados à forma humana (visão preconceituosa ainda existente na sociedade em que vivemos).

Séculos se passaram e ainda lutamos! Resistimos contra todas as práticas de violação dos direitos humanos, sofridas até hoje. Guardamos em nossas entranhas os nossos segredos, os nossos hábitos e crenças; em nossos genes continua guardado o espírito de sobrevivência. Ainda lutamos. Para termos direito de continuarmos à vida, retomando nossos territórios, resgatando através dos nossos velhos nossa verdadeira identidade. Ainda somos discriminados, descaracterizados e ridicularizados pelos nossos costumes, nossos valores. Preservamos a Mãe Natureza e amamos tudo que existe, não possuímos a ganância, a vontade de acumular bens enquanto os outros vivem na miséria. Acreditamos nos espíritos dos nossos antepassados, na nossa medicina natural, cantamos e dançamos para reverenciar e agradecer ao nosso Deus por tudo que alcançamos. Para nós não existe o feio e o pobre, nem o pior. O que nos indigna é o mal impregnado que destrói tudo e todos: estão destruindo o planeta, conseqüentemente a vida de todos, não conseguem parar porque o orgulho que possuem não permite enxergar a verdadeira essência, são robôs-humanos, teleguiados para autodestruição. Não podemos mais caçar, pescar, e nem plantar, porque os herdeiros das Nações hipócritas e gananciosas continuam praticando o extermínio, através da sua cultura progressista. Eles podem tudo, nós não podemos nem mesmo ter o direito de continuar vivendo, lutando para que nossas futuras gerações possam perpetuar. — Nós não queremos uma luta de raças, pois acreditamos que, apesar das diferenças, o ser humano compõe uma única raça, portanto somos todos diferentes e ao mesmo tempo todos iguais. O que queremos é que essa igualdade vista por nós, seja vista por todos: queremos igualdade social e respeito.

No entanto, representamos uma ameaça ao mundo dito “civilizado”, somos os primitivos, os selvagens, o feio, o esquisito, porque não nos rendemos e respeitamos a nossa cultura, fazendo com que esta prevaleça entre nós. Ainda não tomaram tudo que possuímos e não irão conseguir, porque possuímos um bem maior: a dignidade.

Somos mais de 225 etnias diferentes e mais de 170 línguas faladas, aqui no BRASIL!

Auere!

Yakuy Tupinambá

yakuy@indiosonline.org.br