Nós, pesquisadores que desenvolvemos investigações acadêmicas junto ao povo indígena Tupinambá, no sul da Bahia, Brasil, manifestamos publicamente nossa preocupação com uma nova situação que põe em ameaça o frágil equilíbrio na região: nas últimas semanas, a Polícia Federal e a Força Nacional estão cumprindo dezenas de ordens de reintegração de posse em fazendas que incidem sobre o território reconhecido pela União como de ocupação tradicional pelos Tupinambá de Olivença.

 

É importante ressaltar que, ao contrário do que tem sido divulgado, as mais de 120 “retomadas” efetuadas pelos 13 caciques Tupinambá, ocorreram de forma pacífica e, em muitos casos, em prévio acordo com os fazendeiros. Tais processos de “retomada” têm melhorado, drasticamente, as condições de vida das famílias indígenas sem terra ou expulsas pelo processo histórico de criação das propriedades privadas.

 

Porém, a demora na demarcação acarretou uma reviravolta preocupante que levou um grupo de fazendeiros, no final do ano passado, a atuar de forma violenta contra os Tupinambá, nos municípios de Buerarema, Ilhéus e Una, queimando casas de indígenas, retendo-lhes e roubando-lhes a produção, hostilizando a quem se solidarizasse com a causa Tupinambá, assim como exibindo outdoors nas estradas com ameaças explícitas aos indígenas, o que determinou a presença da Força Nacional na região.

 

Como já antevíamos, a lentidão na demarcação da TI dos Tupinambá permitiu o crescimento da campanha anti-indígena que ora divulga a falsa informação de que a demarcação da Terra Indígena dos Tupinambá de Olivença não será feita, ocasionando, entre fazendeiros e pequenos produtores da região que aceitaram as retomadas na expectativa de indenização, a interposição, de forma massiva, de ações de reintegração das propriedades. Essa situação levou o Tribunal Regional Federal/Ilhéus, a liberar a ordem de reintegração de mais de 70 propriedades “retomadas” pelos indígenas, dentre os mais de 150 pedidos de reintegração à espera de avaliação judicial.

 

O grande volume de reintegrações é preocupante assim como a recusa em forma geral dos recursos de defesa dos indígenas interpostos pela Procuradoria Regional Federal e pela Procuradoria Federal Especializada para suspender as liminares. Também é preocupante a atuação da Polícia Federal e a Força Nacional ao implementar as reintegrações de posse usando a força de forma desproporcional e, no caso das reintegrações da Serra do Padeiro, fazendo uso ilegítimo de armas de fogo atirando ao ar durante os operativos e de noite como forma de intimidação. Uma situação que levou as famílias que se encontravam nas “retomadas” reintegradas a se refugiarem nas matas das cercanias, situação que gerou, que uma criança de dois anos, a qual se perdeu na confusão gerada pelo operativo policial, fosse detida pelas autoridades e levada ao conselho tutelar.

 

A situação atual constitui uma clara violação aos direitos humanos e indígenas dos Tupinambá de Olivença não só pela atuação das autoridades federias na implementação dos operativos de reintegração de posse, como também pela omissão das autoridades governamentais dos diversos níveis para salvaguardar a integridade e dignidade dos indígenas, atuando de forma lenta na demarcação da Terra Indígena, omissão que é a causa principal da atual situação de violência contra os indígenas por não indígenas, Polícia Federal e Força Nacional, contexto no qual os Tupinambá se encontram em posição de grande vulnerabilidade.

 

Em face de tal grave situação, os pesquisadores abaixo assinados requerem da FUNAI e outras autoridades envolvidas que tomem as providências necessárias para suspender os mais de 150 pedidos de reintegração, assim como as liminares que já foram expedidas para reintegrar as áreas retomadas; do mesmo modo solicitamos a Secretaria de Direitos Humanos que investigue as violações contra os indígenas no processo de demarcação da TI dos Tupinambá de Olivença assim como das violações descritas pelos indígenas nas atuais reintegrações de posse. Vale notar que os mesmos pesquisadores já manifestaram, em 2013, a preocupação pela demora na demarcação da TI dos Tupinambá de Olivença – que aguarda, desde o 2 março de 2012, a assinatura do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (Despacho n. 037/PRES 2012) – uma demora sem justificativa já que as contestações foram devidamente analisadas e consideradas desprovidas de elementos capazes de descaracterizar a tradicionalidade da ocupação indígena nos termos do art. 231 da CF/88. Reiteramos que a demarcação é o único meio para garantir a justiça histórica e fazer cessar os conflitos na região.

 

 

Abaixo Assinados

 

Daniela Fernandes Alarcon, mestre em Ciências Sociais (Universidade de Brasília), pesquisadora associada ao Laboratório de Estudos e Pesquisas em Movimentos Indígenas, Políticas Indigenistas e Indigenismo da Universidade de Brasília.

 

Luisa Elvira Belaunde, doutora em Antropologia Social (University of London), professora visitante no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 

Maria Rosário Carvlaho, doutora em Ciência Social, Professora no Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, pesquisadora do CNPq.

 

Patricia Navarro de Almeida Couto, mestre em Ciências Sociais, com concentração em Antropologia (Universidade Federal da Bahia), pesquisadora associada ao Programa de Pesquisas sobre Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro da Universidade Federal da Bahia, professora no Departamento de Ciências Humanas e Filosofia de Universidade Estadual de Feira de Santana.

 

Erlon Fábio de Jesus Costa, mestre profissional em Desenvolvimento Sustentável junto a Povos e Terra Indígenas (Universidade de Brasília).

 

Sonja Mara Mota Ferreira, mestre em Educação e Contemporaneidade (Universidade do Estado da Bahia).

 

Susana de Matos Viegas, doutora em Antropologia Social e Cultural (Universidade de Coimbra), professora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

 

Teresinha Marcis, doutora em História (Universidade Federal da Bahia).

 

Cecilia McCallum, doutora em Antropologia Social (University of London), professora no Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia e no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.

 

Amiel Ernenek Mejía Lara, doutorando em Antropologia Social (Universidade Estadual de Campinas).

 

Helen Catalina Ubinger, mestre em Antropologia (Universidade Federal da Bahia).