Numa manhã de sábado, qualquer favela paulistana lembra o cenário dos grotões do Norte e Nordeste do Brasil. Livres das aulas, moleques correm de um lado para outro no chão de terra batida.

Num barraco improvisado como boteco, os homens ouvem música brega-sertaneja em alto volume, jogam sinuca e tomam cerveja. Na favela Real Parque, no Morumbi, zona sul de São Paulo, há uma diferença. Grande parte daqueles caboclos de pele queimada e origem nordestina ali reunidos é de índios pankararu, expulsos de seu espaço natural pela fúria dos invasores. Mil deles migraram para São Paulo. Hoje, 250 famílias de posseiros ocupam 30% da área de oito mil hectares da aldeia Brejo dos Padres, em Pernambuco, às margens do rio São Francisco, onde ainda vivem quatro mil pankararus. “Mas não dá para a gente fazer roça lá. A parte melhor da terra, plana e com água, ficou com os invasores”, reclama o líder Frederico de Barros, 44 anos, presidente da SOS Comunidade Indígena Pankararu.
Os pankararus trabalham como vigilantes, faxineiros e até donos de lotações clandestinas. As mulheres ganham algum como domésticas. Os primeiros começaram a chegar em 1950. Viajaram 16 dias em paus-de-arara e conseguiram emprego como ajudantes nas construções do estádio do Morumbi e do Palácio dos Bandeirantes. Manoel Marcelino de Barros, 67 anos, foi um dos precursores. “A gente dormia enrolado em saco de cimento”, relembra. Com dinheiro no bolso e roupas novas, eles estimularam outros parentes (como chamam uns aos outros) a seguir o mesmo caminho. O maior contingente, de 450 índios, está hoje na favela do Real Parque, onde vivem 3,5 mil pessoas. Cento e quarenta pankararus foram para a favela do Parque Santa Madalena, na zona leste, e outros 100 vivem em Guarulhos, Grande São Paulo. A aventura agora é reproduzida por outros povos indígenas do Nordeste: índios fulniôs também estão instalados em uma favela do Butantã e pankararus foram para Osasco, Grande São Paulo. Do total de 390 mil índios existentes hoje no Brasil, 30 mil vivem no asfalto, segundo levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “Isso é consequência da falta de uma política indigenista séria. Depois de 500 anos, o genocídio continua, só que hoje de uma forma disfarçada”, protesta Benedito Prezia, pesquisador do Cimi.

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