Paulo: Estou aqui com a minha mãe

Paulo: Estou aqui com a minha mãe. Minha mãe é filha dos índios que eram primitivos e foram pegos pelo SPI, e ela vai contar a historia dela.

Dona Maura: A historia da gente foi começada na época do SPI, que descobriu e conquistou meus pais na mata, eles moravam na mata. Nessa época eles tiraram eles da mata, quando abriram o posto Caramuru-Paraguaçu, que no principio era em Itajú do Colônia, onde eles estabeleceram a sede com a aldeia para os indios. Foi meu pai que passou a morar ali, o Titiá, junto com um grupo de indios que veio do mato.

Naquela época eles captavam muitos indios, mas eles não sabiam cuidar dos indio. Trouxeram os indios lá da mata e tratavam de todo jeito. Botou no meio do civilizado, começou dar comida de sal, e muitos deles morreram. E eles pegaram duma maneira muito brutal, porque muitos do meu povo, eles pegaram os maridos, deixaram as esposas no mato, pegaram os filho, traziam sem a mãe… Traziam muitas crianças sem a mãe, sem o pai. Tinha muitas crianças que foi criado pelo chefe de posto, alguns foram ajudar conquistar os indios, os indios falavam português…

Existia um lugar onde eles prendiam os indios, eles falavam que era para os indios amansar, mas não era amansar. O nosso povo era acostumado a viver no mato, onde tinha a cura deles, onde tinha o modo de falar no idioma deles… E eles, quando pegaram eles foi como se fosse uma coisa que fosse aforçado. O lugar onde eles ficavam preso tinha pressão para eles aprender falar português, comer comida de sal, conviver no meio deles, e aí foi de onde morreu muitos indios. Amoava num canto, não falava e morria apaixonado… porque muitos dos Pataxó que eles pegaram ficou os parentes no mato. Minha mãe mesma era da tribo Baenã. Ela sofreu muito, porque pegaram ela e duas crianças, e ficou o marido e mais filho no mato. Eu não sei como aconteceu, pegaram ela, trouxeram ela e deixaram a família dela lá, e ela nunca mais pôde encontrar com o resto do povo dela. Ela era uma índia muito triste. E aí foi quando casaram ela com o meu pai, que veio sozinho do mato também.

Aí ela construiu uma nova família, veio meus irmãos, veio Maria Grande, veio Maria de Lourdes, veio Tom, veio mais irmão que morreu. E do que veio do mato, era dois, um morreu, só escapou um, porque eles deram comida de sal. Ficamos lá em Itajú do Colônia, na aldeia. Para os meus pais era muito difícil, porque eles tinham costume de viver na mata, moraram em seus ranchos, suas ocas lá. E viver dentro duma casa de tijolo, preso, vestir roupa… Eles não mais tinham a liberdade de caçar, pescar, deles continuar a cultura deles… foi um povo muito triste.

Quando a gente nasceu, eu e meus irmãos, a maior parte dos nossos indios já tinha morrido, só tinha poucas família índia que veio do mato. Esses que tinha ainda, eles tinha um pouco de terra, mas vivia por conta dum chefe de posto. O chefe de posto era que dava ordens neles, que mandava eles… A gente fazia o que o chefe de posto queria… Ele botava a gente para trabalhar, a gente não tinha liberdade de fazer o que a gente queria. A gente se sentia como se fosse escravo do chefe de posto. No tempo do SPI, eles que mandavam nos indios. Meu pai e minha mãe, eles não sabiam se defender da civilização, então eles obedeciam tudo que eles mandavam. E aí chegou um momento que foi morrendo, só foi ficando os indios que nasceu depois que vieram do mato. Nós era um grupo de indios criado ali naquele pedaço de terra. Aí chegou o tempo quando o chefe de posto começou a arrendar nossa terra, tirando a terra da gente, a gente ficando só com um poucinho de terra. E aí a maior parte dos indios, aqueles que já sabia falar o português, que entendia trabalhar fora, foi saindo da aldeia. A mulher do chefe de posto pegava aqueles índio de dez, onze, nove anos, pegava e dava a outras famílias fora da nossa aldeia, lá nas cidades grandes. Muitos dos nossos indios foi levado para a cidade grande. Tirado dos pais e levado. Dizendo a eles assim, que a gente tinha que trabalhar para fora, porque nossa terra ia acabar e o governo não ia dar mais nada a gente, a gente tinha que se virar.

Muita gente tinha que sair da aldeia sem querer, chorando muito… Comigo aconteceu também. Me tiraram do meio dos meus pais para eu morar com uma família lá em Itabuna. Lá eu fiquei uns tempos, depois eu não aguentei aquela vida lá, trabalhar pros outros, ser mandada… eu eu voltei para trás. Quando eu cheguei, meus pais já estava fraco, não tinha mais nada para comer, não tinha mais nada para caçar, peixe no rio era difícil, o chefe de posto não ajudava mais… e os meus pais iam esfraquecendo.

Quando eu cheguei, com pouco tempo meu pai morreu. De índio mesmo, da mata, só ficaram minha mãe, que era Rosalina, Bahetá, Õhak e Dedek, só ficaram os quatro dos que veio do mato. Muito fraco, muito oprimido de ficar naquele pedaço de terra sem nada. E quantos outros indios que eram mais civilizados foram embora. Uns foi trabalhar para a cidade, outros estavam no meio dos fazendeiros meio servindo de escravo para os fazendeiro…. que as vezes o fazendeiro tomava a terra do índio, e o índio ficava trabalhando ali como escravo… não sabia para onde ir e ficava ali mesmo. E com isso sofremos muito, com a vida que a gente levava. Eu mesmo já passei até fome, porque em Itajú, nossa aldeia, eles desmataram tudo, só ficou o capim, que eles plantavam para criar gado, e só dava licuri na manga.

A gente vivia do peixe que ainda tinha no Colônia, e do licuri, que a gente catava para sobreviver. Muitos dos meus indios foi embora e foi morrendo… Dos indios da minha aldeia mesmo só ficou Bahetá viva e Õhak. Minha mãe morreu, pegou uma fraqueza no pulmão e morreu. Õhak morreu depois, foi atingido por cobra e morreu, o capitão da aldeia, bem velho ele morreu.

1966 por aí, já me casei. Morava num lugar perto que era Itajú do Colônia, casei com meu marido e, vamos viver, e aí eu saí da aldeia. Depois eu ficava lá e cá, aí nessa luta que a gente foi sofrendo, mas na fazendo dos outros… Que gente trabalhamos muito nas fazendas dos outros mais meu marido. Quando a gente estava na fazenda, e eles descobria que era índio, a gente tinha que sair. Eles não aceitava índio trabalhando com eles.

Eles tomava as terras dos indios, mas lutamos. Em 82 foi quando um grupo de índio que morava fora, eles se reuniram e voltou para o lugar. Tinha um cacique Samado,um velho da tribo Sapuyá, que já viveu muitos anos na nossa aldeia, que se sempre lutou pela nossa terra, ele e seu Dero, e ele me procurou, e nós entremos junto.

Em 88 foi muito sofrimento porque foi aí que veio a revolta dos fazendeiros contra a gente, e foi muita briga, as lideranças lutando, junto viajando para Brasília, e aí veio toda aquela confusão…. eles exigia que a terra seja demarcada de novo… e com essa luta toda começou as briga, morreu algumas lideranças, e nós sempre no meio, com a minha família. E aí conseguimos juntar vários indios que na época saiu corrido, e voltou, retornou para aldeia. E nós juntos com essas famílias, com a família do Samado, e a de Nailton, e dos Sapuyá, nós lutamos para retomar mais fazenda. Porque essas fazenda era, o Samado contava, onde os fazendeiros tirou muito de índio, matou muito índio na época… quando ainda tinha mata. Botava fogo nas casas dos índios, botava os indios para correr… e aí foi quando os indios retomou.

Mas quando nós voltemos, a maior parte das fazenda já não tinha mais mata… era só roça de cacau, que na época era muito forte, e capim. Juntos comecemos um trabalho de comunidade, fomos viver todos em comunidade, tentando resgatar nossa cultura que nós perdemos…

Nós perdemos nossa idioma, que quando o SPI indvadiu na aldeia para tomar conta dos indios, eles fizeram a perversidade de tirar nosso idioma, nossa cultura que nós tinha. Fez a gente ficar todo civilizado, tirou tudo da gente, e agora ta sendo difícil pra gente… porque hoje, eles exigem da gente, a sociedade exige, não são todos, mas a maior parte exige que a gente tenha nossa cultura. Que às vezes muitos dizem, ah, eles não são mais índio, que eles queria que a gente não ficasse índio.

Por tanto massacre que teve na nossa aldeia, por tanto sofrimento, tanta coisa má que já passemos, que nós ainda vivesse dentro da nossa cultura dentro da nossa aldeia, como era antigamente. Por tanta invasão de branco… tirou quase tudo da gente… Só não tirou tudo porque a gente carrega no sangue nosso ser índio, nossa cultura. Eles tentaram tirar tudo, mas cada um índio busca no seu ritual, na sua tradição, como é o costume do índio. Ele nunca deixa, por muito sofrimento, mas ele sempre tem aquele povo que já vem de raiz. Então hoje nós estamos em Água Vermelha, Ourinho… que tudo era nossa terra tradicional. Hoje voltemos.

O fazendeiro não conseguiu tirar a terra toda da gente, e a gente ficava lá e cá. Desmanchava casa, corria e começava a voltar, e ele não conseguiu tomar tudo. Ele insistiu porque até hoje ta lá. As vezes entregam as fazenda, mas as fazenda ta tudo acabado. Os fazendeiro destruiu tudo quando eles viu que os índio ia entrar mesmo, que os indios ia tomar posse da sua terra. Deram as roças tudo acabado, os indios tem que se virar mesmo.

E muitos do nosso povo mesmo está passando necessidade, porque não sabe se sustentar com essa roça de cacau, que o cacau ta todo doente, e a FUNAI não ta dando assistência.

Itajú do Colônia, Camacã, Pau Brasil, todos são municípios da nossa aldeia, mas nenhum dos prefeitos ajuda nós aqui na nossa terra, porque eles tem interesse na nossa terra. Os pais deles, os parentes deles foram os primeiros a ajudar tomar as nossas terras. Então hoje eles nem interessam de ajudar a gente.

Muita luta, morte, sangue, as vezes muita perversidade, mas alcancemos chegar até um pouco da nossa terra. Não é nossa terra toda, como é na história, como é marcada… seria 54,100 hectares de terra. Ainda está quase tudo na mão do fazendeiro. Mas espero que algum dia a gente bote um basta nisso, e nós vamos viver na nossa aldeia com tranqüilidade, sem essas barreiras que tem aí.

Dona Maura Titiá,

Entrevistada por: Paulo Titiá